Quando não tenho nada para escrever, numa brancura cinzel e total da alma,
Partindo do princípio que tenho alma, de que é louca e que precisa ser dividida,
Sento-me no lado de lá do infinito onde os vaga-lumes do tempo
Insuflam de inspirações os sonhos turbulentos ou vazios.
Então vejo estandartes… São os eternos guerrilheiros de todas as gerações…
Astros… Pedaços de Néon neolíticos entram pelos meus olhos aos trambolhões…
Acredito então que somos pioneiros de uma batalha qualquer
Muito antes de S. Mamede ter sido ganha a um Rei de Leão e Castela aflito!
Sobressaem das armaduras resplandecentes de medievais batalhas nas fotos cibernéticas
De cavalos e espadas, arcos e flechas, garfos empunhados ao céu com valentia
O grito vibrante de vitória, de um lado e do outro lado, numa reminiscência de Pirro
Pelo efémero território na infinita vida porque a terra à terra pertence e nada mais!
Ou então a marca de um rolo de neblina e canto a acenar num palco de eucaliptos
Oradores e columbinas, num corso triunfal de Entrudo
Convictos de que a grandeza espiritual consiste na erudição filosófica do olhar pensado
Ou na simplicidade da palavra escrita…
Aplaudo tolos… Sapateio normais… Concluo que uns e outros rasgam a teoria
De que “quem vive empoleirado nos galhos das árvores são os pardais”!
Enquanto o homem de lata percorre a meta da ilusão um Vizir monta a tenda de pano
Num deserto metropolitano cosmopolita à medida de serpentes e escorpiões
Para apresentar ao público um Merlin pré-histórico!
Senta-se ao lado do João Ratão a Gata Borralheira no banco corrido de madeira!
Saem os operários cansados e esfomeados das fábricas modernas
Empunhando um dicionário de penosas asneiras
Com que rotulam a precariedade da venda do único serviço que sabem prestar!
Um pomposo poema de facadas no peito é declamado nas tabernas…
Continuo serenamente no alto da minha nuvem de ilusão…
Deprimido entre gargalhadas e pasmados encantos
Distribuindo boas vontades a quem passa a não sei quantos quilómetros luz…!
Assim como um Francisco Xavier que é São por não ter bebido nada mais
Que o bom tinto escapulido do barril por uma torneira de madeira
Ou como quem apregoa um Cristo branco aos negros nativos escravos
E espera a vinda de um Francisco de Assis do Brasil com crucifixo e tudo!
Já as Tágides se levantam diante de tanto horror!
O Olimpo estremece ante tão linear fascinação!
Numa torre de Ceuta espero El-Rei diante de um televisor portátil colorido
Que me dá notícias do ano três mil e tal…
(Pensava que tivesse vivido até ali…)!
Afinal descobri que mais umas encarnações
Transportam a alma pela canalização das frustrações
Do martelo de cálcio dentro do ouvido!
Vai longa a retórica… Mas a minha nuvem não pára
Nem quando lhe grito que nada tenho a dizer e que isto nem sequer é um poema!
- Pior…! Um bonito poema…!
Responde-me: - Poema bonito? Que é isso?
Daquele que são feitos de lindas palavras e brincos nas orelhas
Quando à falta de açorda acompanham-se com chouriço assado?!
- Ah! Está bem… Compreendo… É isso!
Se um mão errante destranca do cérebro o travão da imaginação e
Engata a embraiagem de um motor sem nexo pela escarpa do desejo
Logo sou absorvido pelo grito ruidoso duma oração ao egoísmo…
Aparece-me então a folha de um calendário a falar de um Maio sem flores
Quando os operários exigiram condições dignas de trabalho
Que não rimam com nenhuma palavra ou verso que conheço…
Fico triste… Fico com a amarga sensação de que isso nem sequer é poesia…!
Ah! Agora me lembro… A poesia precisa de amor…!
Sem o teu corpo gostoso
Sem o teu cheiro formoso
A minha vida era um precipício
Auspicioso…?
Tu és o meu vício
De longas roupagens vestido
Sou aquele que te ama
E que diz que faz palavrões
Para lá do próprio amor
Para lá do próprio sentido…
És tudo o que quero
No meu mundo colorido!
Isto já é um poema!
O paroxismo da estupidez forquilha o executor e o juiz
Reclama o direito à sentença que não proferiu por inoportunidade…
- Não quis!
Afinal na minha nuvem há sempre uma luz
Que me guia não sei bem para onde nem por onde…
Neste patamar sem escadaria atropelo-me no excesso de velocidade
Do cérebro que viaja por jardins por mim plantados e flores plásticas
Onde estendo a mão ao mundo e recolho tudo quanto dei…
Agora que falei de amor,
Que resta deste projecto malquisto de poema que não consegue ser mais
Que um misto de palavras atiradas a um pedaço de papel pautado?!
Qualquer um pode escrever o que lhe apetecer…
Hoje escrevo com tinta azul de fel amuado…!
Terminou.
Apetece-me sentar num banco sobre o mundo a assistir ao Ómega
Da universidade “Portugal dos Pequeninos” em banda desenhada
Contemplar as grandes obras da humanidade em episódios…!
Mais para perpetuar a palavra de um nome, dizer que existiu, que vi sem ver,
Do que a retirar da obra alguma verdade ou motivo…
Hoje exibem calças e cuecas… Outrora esculturas em pedra…
Enfim, cada sociedade escolhe a sua passerelle…!
A minha existe no esvoaçar do cabelo ao vento e das ideias…
Vaidade!
Vaidade é forjar a ferradura numa alcova de estrume
E esperar que a mula gaste os cascos a caminhar!
Este poema nem é labareda nem lume… Não cala nem grita!
Tão pouco vive da certeza de que o possam definir como poema
Ou ideia solta de uma paranóia qualquer à mesa de um café
Que ainda não consegui entender… Nem sequer a nuvem…
Ah! Faltam as evocações sagradas dos Alás à hora do chá e chinelos à porta…!
Ou a coroa de espinhos dos Cristos nas cruzes mais as benzeduras das comadres…!
Quem me dera um Zeus…! Pelo menos não chateia!
Ainda tenho a vantagem de lhe chamar avestruz…
Avestruz? O que importa é ser-se pássaro!
Assim podem chegar à minha nuvem sem cair
Apreciar no dorso da avestruz a minha insana loucura
E depois rir…
António Casado