… e eu,
solitário com os ossos nus do crepúsculo
a esvair-se em rubro sangue
que as veias azul-negro da noite vertem,
ira estampada
no rosto oco e sombrio do vazio
aqui, estático e só,
onde os desejos fremem sedentos de ser
alguma coisa diferente do nada,
caio
no abismo da noite fria.
penumbra por dentro de mim o sonho.
e lá fora ressoam os ecos, estampidos secos
das estrelas que cintilam sem a luz de outrora.
grita-me por dentro a ira.
irados,
ferem-me os tímpanos a vida e o deserto
que possuo nos espaços incomensuráveis de mim
neste lentíssimo progredir regredindo
labirinticamente nos secretos poços do deserto
da minha memória aturdida.
e grito.
um grito absurdo que já não ouves
na tua ausência dilacerada, um grito repetidamente
repetido “já não necessito de ti”.
basta-me a companhia nocturna do absurdo
e a peste que me envenena a alma
neste silêncio em que me abandono.
as galáxias do meu viver escondem-se
envergonhadas de mim no princípio de tudo
onde nada é sendo-se senão o fim
sem princípio de nada,
a não ser a loucura dos nómadas errantes
que se servem da mesma angústia gritante
para viver.
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Praia da Galé, 22/07/2010
de "onde os desejos fremem sedentos de ser"
dedicado ao poeta Al Berto