A distância parecia frágil, menor. Ha pouco se despedira com um casual até breve que interpretei como adeus. Vendo sua silhueta esguia afastar-se pela rua, desaparecer na multidão, me dei conta que nos últimos tempos, tentava descobrir nos adultos os traços e gestos que teriam possuído na juventude e na infância. Isto me torna perigosamente indulgente, sabedor que as indulgencias nos levam a grandes desatinos me contenho. Esta mulher de quem me despeço, devia ter sido uma jovem com uma grande capacidade de entusiasmo, ainda havia mares em seus olhos e os imensos prados gaúchos, as feições maceradas evocavam o rosto de uma garota esperançosa que desconhece a brevidade inevitável desta doença que separa o nascimento da morte, chamada velhice, este episodio natural só pode ser doença...dói portanto deve ser doença... A vida é um fardo que alguns estão cansados de carregar me disse também que gostaria de chegar a um lugar do qual não quisesse regressar, lhe respondi desmoronando se possível um resquício suicida que suas palavras continham. Todo mundo busca este lugar, inclusive eu, alguns dispõe de palavras e dispõe as palavras para expressar essa necessidade inconsciente, mas presente desta busca da felicidade fora de nós mesmo. Ela era destas pessoas, que acreditavam que o dinheiro pudesse comprar tudo inclusive sua paz e felicidade. Lhe disse que na minha opinião, o dinheiro compra os paliativos que transgridem a felicidade mas não nos leva a ela, os momentos que o dinheiro compra são tão fortuitos, apenas nos livra das atribulações da miséria ... nada além da vaidade e urgência de nos sentirmos um pouco melhor. Respondeu que mesmo assim continuava achando o dinheiro de uma importância vital em sua vida, não o dinheiro para necessidades básicas e alguns pequenos luxos, mas aquele que compra todos os sonhos de consumo. Assim demos fim ao nosso dialogo e a emergente amizade construída virtualmente no computador.Antes de ir deu-me um cartão com seu nome e telefones, sem endereço. Me liga, quem sabe um dia ? Olhei para o cartão como um lenço usado para pedir um socorro que não veio ... e para a multidão onde a mulher submergira. Lanceio-o no abismo de uma caixa de coleta de lixo destas raras que encontramos em Sampa, parei para contemplá-la como se a caixa fosse a um só tempo, um objeto extraterrestre e a tumba de um ente querido. Voltei para meu apartamento em busca de consolo no meu computador.
Carlos Said
Inverno de 2010