...à margem da rodovia avisto de longe um anjo que manca. me aproximo e ofereço ajuda. me assusto com a imagem enquadrada na janela. suas mãos pousadas na porta ainda do lado de fora, pintadas de uma cor muito próxima ao vulgar, acompanham um sorriso, cujos olhos apreendem minha atenção sem palavras. e gaguejo oferecendo ajuda. ela está indo pelo mesmo sentido e agradece batendo suavemente a porta. me conta que um salto quebrou, segurando nas frágeis mãos uma sandália levemente dourada. um absurdo seria esse salto taçar outra que não ela de tão fino e alto. de repente o ódio me toma e quero que morra quem lhe vestiu esse destino. por certo não posso odiar deus mas sinto prazer em saber que esse anjo lhe faz falta. ela continua com uma história furada que calculo ter que acabar nos próximos e aproximados trinta quilômetros, o motel mais próximo. a aranha linda tece sua teia à mosca errada e furo um pneu e aviso-lhe que tenho que parar pra ver. desço e percorro, sob chuva fria, todo o carro, pensando que preciso ganhar tempo, mas não sei para que. o anjo desce e me olha com desprezo. sai andando, manca em busca de outro, mas logo volta, se acomoda no banco, aceitando nosso tenro destino. sigo devagar e ela me olhando e desmontando. eu sei que quer e ela mostra nosso destino com as pernas. acabo de quebrar o motor do carro bem na porta que escolhemos...
,,,mas Deus gosta de ser assim também, na forma de Eu!