Naquela manhã de Sábado, a rua estava intransitável. Pessoas com sacos e mais sacos das compras da semana. Os táxis paravam e arrancavam com destinos certos e nós vagueávamos em busca de um espaço sossegado, sentar e conversar. Junto aos nossos pés um corpo estendido no chão sem sinais de vida. Olhávamos os transeuntes ao encontro de um sinal, um só que fosse. Mas nada nem ninguém parava naquele local habitado por um corpo, prestes a desfalecer na valeta. Olhei-a e ela olhou-me, como que a tentar saber a forma de actuar. Perguntei-lhe:
- Estará morto?
- Não me parece. Ainda tem posta a gravata e o casaco caído ao lado. Deve ter desmaiado
- Toco-lhe?
- Não sei. Já reparaste que ninguém pára. É como se não existíssemos. Nem nós e nem ele.
Sem mais palavras curvámo-nos na tentativa de ver se respirava.
- O senhor está a ouvir-nos?
- Precisa de ajuda?
A cabeça do homem, roda no nosso sentido e responde-nos que precisa de ajuda.
Pegámos-lhe cada uma em seu braço e ajudámo-lo a levantar-se. Homem na casa dos 35, alto, moreno, estava num elevado estado de embriaguez. O seu bafo, tresandava a bebida anulando todos os cheiros do espaço que ocupávamos.
Olhei para ela, como que a saber o que fazer e logo se ouviu a sua voz. Uma voz doce, delicada, que nos dizia.
- Moro ali naquela praceta. Ajudem-me a lá chegar por favor.
As pessoas simplesmente passavam e nada diziam, lançando-nos um olhar em jeito de desprezo, pela miséria que assola por todos os cantos desta cidade.
Conduzimo-lo até á porta de casa, a alguns escassos metros. Ele subiu as escadas, mas nunca soubemos se chegou bem. Era um prédio antigo sem elevador, escadas de madeira, corrimão de ferro.
A rua continuava cheia de gente que caminhava com pressa. O cheiro que ocupava o local, era agora de peixe, de fruta, de carne..etc. A praça do Chile é ainda um local muito movimentado nas manhãs de Sábado. Mais acima, na Alameda, lembro dos tempos em que o cinema Império era um local muito frequentado nas noites de Sábado. Deu lugar a uma Igreja qualquer e do jardim olhei a Fonte Luminosa, para nela refugiar o meu olhar e me limpar dos cheiros que meu corpo assimilou. De luminosa, nem a água, e só restavam as suas figuras esculpidas em pedra. Tínhamos finalmente encontrado o local ideal para nos sentarmos e conversar.
Maria Al-Mar
Enquanto Mulher
- Ilusorium
- Mira(douros)
- Modus-Informe
- Uivam os Lobos
- Mulheres de Areia
Mira(douros)