Olá, senti uma brisa acariciante em meu rosto neste fim de tarde, lembrei de você, lembrei de nós... levo você em meu corpo e sinto o seu cheiro. Lembrar de você é uma gostosa visita ao passado, me obriga a ver este pouco futuro que me resta, já não sou o homem que você conheceu, isto não é justo. Você esta sempre do mesmo jeito, sorriso nos lábios, brilho nos olhos. Enquanto caminho célere para esta velhice precoce da qual não me furto, não direi que estou na meia idade ... estou velho, cabelos rareando, todos brancos, aquele grisalho que você gostava desapareceu nesta calvície neste inverno cobrindo minha cabeça, meu nariz esta cada dia mais longo e protuberante, meus lábios estão caindo em bigodes chineses, minhas feições desabam cranio abaixo, papadas no pescoço. Caminho lento, me chamam de tio ou de vovô, já não me importo quando um jovem me oferece lugar no metrô, alguns paulistas são educados no metrô nesta oculta serpente correndo pelas entranhas de São Paulo só no metrô com seu mundo e regras próprias. O metrô qualquer metro, é um resignado à sua escravidão de subsolo. Resgatando o metro em nossas vidas resgatamos a sensação de jovem fugitivo contemplando desdenhoso o povo explorado enquanto julga o metro um instrumento para chegar a relva e ao sucesso. Lembro você e sua jovem surpresa cotidiana diante de tantas derrotas recém amanhecidas, a consciência da própria singularidade, a náusea que parecia envolver a vida medíocre da maioria dos passageiros, incômodos companheiros de uma viagem , para você só de ida, e só de volta para eles. Solidário com todos eles, mãos enganchadas na velha pasta onde carrego textos e títulos protestados, solidário com as mulheres cubicas afetadas em suas mascaras maquiadas de uma juventude circense, com os jovens pobres e asseados chegando atrasados ao obsoleto trem emancipador de cultura. Espero ansioso a voz metálica do condutor anunciar... Respeitem os lugares reservados aos idosos, gestantes e pessoas com deficiência física Próxima estação... ponto final.
Carlos Said
Inverno 2010