Brest, 2 de Fevereiro de 1917
Minha querida Ana Maria
Desembarcamos hoje em Brest, na Bretanha, depois de uma viagem tempestuosa onde viemos a monte, todo o corpo expedicionário, em três navios a vapor ingleses. Quase toda a gente se sentiu mal. Tive que vomitar várias vezes, a comida foi muito racionada a bordo, valeram-me as bolachas que tão carinhosamente me preparaste e embrulhaste. Guardei o teu embrulho em linho para recordação, servirá para embrulhar as cartas que receber de ti.
A azáfama no desembarque foi enorme, com toda a maquinaria da engenharia e artilharia que não veio no primeiro transporte de material de guerra que nos antecedeu. Nunca vi tantos soldados juntos, portugueses, franceses, ingleses, belgas, uma confusão de línguas mas cá nos vamos entendendo, falo muito bem francês e inglês, por isso o General Gomes da Costa comandante do corpo expedicionário incumbiu-me de coordenar essa tarefa, tendo eu escolhido para ajudante um bravo soldado de seu nome António Curado, muito afoito e responsável e tem-se revelado um excelente companheiro nesta árdua tarefa. Vamos seguir num comboio de camiões até à Flandres onde serão os nossos aquartelamentos na frente de combate. Temo pela viagem devido ao mau tempo que se faz sentir e principalmente pelas chuvas que irão enlamear os caminhos que segundo julgo são quase todos em terra a acreditar nas cartas topográficas a que tive acesso.
Escrevo-te agora à luz de uma vela e esta penumbra e silêncio trazem-me à memória as nossas tardes quando se instalava entre nós um silêncio cúmplice selado no entrelaçar de mãos suave e sedoso, que sempre acontece quando as nossas almas se elevam acima de nós e se juntam nessa ternura inexplicável que por ti sinto. Não vejo a hora de, de novo te enlaçar abençoados pelo altíssimo para que possamos dar largas ao amor que assim nos une. Espero novas tuas sempre cheio de saudade. O correio começará a ser distribuído amanhã, espero poder ler essa tua caligrafia linda que tens e que revejo nos bilhetinhos de amor que me endereçavas pelas tuas amigas, os quais guardo religiosamente comigo junto da tua foto.
Beijo te as mãos minha adorada Ana.
Teu João Da Nóbrega