Toda a gente faz contas de cabeça.
E todas as cabeças fazem contas à gente.
Eu faço as minhas, as dos outros, e vejo que afinal de contas, entre somas e débitos, o saldo é igual a nada.
Mas isto, não se assuste, pois é meu pessimismo no seu melhor.
O mundo é uma consequência de actos, vejamos. O sexo faz bem à saúde, quem tem saúde pode trabalhar, o trabalho dá dignidade, dignidade é andar vestido à moda, moda é combinar cores, cor pode ser amarelo, amarelo é quando estamos doentes, se estamos doentes vamos ao médico, ir médico é no mínimo trinta euros, euros há poucos no meu bolso, o bolso está nas minhas calças, muitas calças são feitas de pano, há pano que vem do algodão, algodão é branco, brancas são as nuvens, as nuvens trazem água da chuva, se chove fico em casa, se não chove tenho de ir procurar trabalho, se tenho de ir, vou a pé, caminhar faz bem e dá saúde, logo, se não tens com quem fazer sexo, caminha, mas caminha muito, porque saúde é preciso e um povo quer-se são.
Mas há contas bem piores. Ui, muito piores. Contar carneirinhos deve ser das coisas mais horrííííveis que conheço em toda a minha existência.
E por que não contar cãezinhos, ou gatinhos, mas quem é que inventou essa de carneirinhos? De certeza algum mal-humorado, alguém a quem a mulher nessa noite pôs o travesseiro a meio. Não faz sentido, carneirinhos leva-me para outras contas de cabeça. Carneirinhos tem cornos, logo, cornudo. É de uma insensibilidade medonha!
Já agora, como se faz contas à vida? Pegar no vento e multiplicá-lo pelo mar? Somar mendigos com sindicalistas? Ok, estou a exagerar. Mas, se alguém diz que vai fazer contas à vida quererá com isso dizer que vai até casa contar os dias, as horas, os minutos que lhe restam? Só pode, porque de outra maneira não estou a ver. Ok. Você diz-me que é uma expressão.
E os mortos, fazem contas à morte? Às tantas fazem, tipo: tenho mais cinco anos de morte e estou feito que regresso à vida, aos mesmos amigos, ao casamento, às indirectas da sogra, etc. Que cena, e logo agora que aprendi a montar anjos, nem morto posso estar à vontade.
Contar está-nos no sangue. Gostamos de contar tudo à nossa volta. Tenho cinco dias para pagar a renda! Dei umas quatro.
O conta-quilómetros é um fascínio.
O conta-gotas, um delírio. O conta-me um conto, um show. O, conta comigo logo à noite, dispensa adjectivo. O contador de histórias é bem melhor do que o contador da luz.
Conta aqui que eu deixo! Contar dinheiro é um desporto que toda a gente gostava de praticar, por não cansar e dispensa sapatilhas.
Deus não sabe fazer contas de cabeça, pois se soubesse não mandava escrever os dez mandamentos numa tábua. Ora repete lá o segundo? Ah, pois, esse.
Eu próprio conto o número de flexões e abdominais, pois é uma forma que tenho de me convencer que o cinco é um número grande. Dei cinco cêntimos a um pobre. Cinco é pouco, mas se ele tiver de os engolir é muito. Tudo depende do que fazemos com os números.
Cinquenta quilos de bifes dá para muita gente, mas cinquenta quilos de carne feminina dá para mim e é pouco. Enfim, há contas por todo o lado, somos uns calculistas vertebrados. Contamos as horas para nos pormos na alheta do trabalho, contamos sempre com o nosso amigo e lixamo-nos. Contamos que a gasolina vai chegar e, quilha-se que se acabou. Contamos com o ovo no cu da galinha mas o galo é quem manda.
Em plena noite, o bar já fechado, lá dentro os do costume a gastar os últimos “cartuchos” em cerveja, a discussão abre-se, nomes para a mãe deste e para a mãe daquele, um indivíduo sem defesas entra nela, acaba por sair de cabeça rachada. No dia seguinte perguntam-lhe quantos eram. Para cima de dez, e ciganos!
Como sabes, contaste-os? Ó meus amigos, antes de andarmos cá à chaparia alinhem-se por favor que eu preciso de saber quantos sois. É que amanhã tenho amigos a pedir contas. Ora, um, dois, três… ok, podemos começar.
Ah, quase esquecia, gostamos de contar mas o certo é que ninguém quer prestar contas a Deus. Será porque além dos pecados iremos também pagar as custas do processo, da papelada?
Deus tem secretaria? Se tem deve ter secretária para carimbar os despachos.
E como será ela? Dão-me licença que imagine? Mamalhuda, creio, por causa da lei da gravidade, para a manter sentada.
Uma curiosidade, porque é que quando há uma tragédia, nunca se contabiliza os sobreviventes e, em vez disso, dão-nos um resultado pouco moralizante do género, quatro mortos e vinte feridos.
Não seria mais feliz se a notícia fosse, quatro mortos, vinte feridos, mas sobreviveram trinta e três! Por isso é que dizem que somos um povo triste.
Ora pois, em vez de darem-nos as boas notícias em primeiro, começam logo pelas más. Se fosse ao contrário, diminuiria o impacto, vejamos: boa notícia: o Benfica marcou dois golos. A má notícia: o adversário marcou três.
Uma dúvida para terminar: quantas bichas-solitárias são precisas para terem sexo em grupo?
Re: contas de cabeça para flávio
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