Voltei às vinhas, percorro com os olhos as centenas de linhas plantadas com videiras, arbustos sarmentosos alinhados em carreiras que dão uvas. Mesmo as videiras mais jovens mostram as rugas da experiência, amarrotadas pelo sol, brotam bagos mágicos que se amassados fazem a doce fermentação, transformando o meigo do açúcar em álcool enbrutecido com vida. Passam emoções da terra pela garganta atravessando o palato. Videiras fazem vida, transformam o pó da terra amassado com os pés dos homens na alquimia divina. Muitos deuses deliciaram-se com a vida líquida, vazada do barro da terra que atravessa os lábios, doce embriaguez, vida forte como os touros que correm nus pelas vinhas. O Ribatejo tem essa magia, lutas de homens fortes e animais em pleno desafio, cavalos transportando campinos pelos campos da lezíria, ordem equestre alinhando manadas nas costas do sol. Nos fins de tarde costumam-se avistar vultos, sombras percorrem a vinha na revista à vida, uvas envoltas em teias arreganham-se para os olhos da lua. Ouvem-se barulhos, correrias intensas pelos corredores das vinhas, tocando levemente a confusão, adormece o dia embalado pelo colo da noite. No limiar entre o sol e a lua a tarde desvanece, corre a linha que reparte a sombra da noite com a luz do dia, percorrem em conjunto os campos da leziria. Nestes momentos a dúvida instala-se, vultos assaltam videiras, corações disparam, pensamentos ocorrem, muitos afirmam que são toiros bravos a brincar com a luz da lua, outros afirmam que são cachos de trincadeira preta balançados pelo sopro da vida.