sem coração nem orelhas.

há uma mulher que sobe devagar a rua, um pouco mais acima vai-lhe o coração. no parapeito da janela, do décimo quarto esquerdo do segundo prédio que a vista dela alcança, um homem estica as orelhas para lhe ouvir os passos. o homem tem pouco ou nenhum cabelo numa cabeça redonda, agora baixa. subitamente o corpo da mulher, flácido, cai no asfalto e é o coração que o puxa, completamente curvado pelo peso, para a frente. depressa o homem corre escadas abaixo até à rua, pelo caminho perde as orelhas, de tão esticadas caiem-lhe. mas o coração é fraco e não suporta o corpo, vai agora com ele rua abaixo, muito depressa. quando o homem chega já alguns pássaros sobrevoam os restos. corpo e coração finalmente juntos, desfeitos. o homem mete as mãos nos dois buracos que traz de cada lado da cabeça e chora.