Das minhas mãos abertas
Solta-se o mel da fé
Em catedrais de luz e movimento
Bocas que juram
Junto das sóbrias raízes dos pinheiros
Estandartes de estrelas
Bandeiras galácticas
Acórdãos de felicidade e luar
Reflectidos nos lábios dos peixes
Como sinónimo de alguma futilidade
Arrancada a ferros à mentira
Num porto de alucinadas visões…
Das minhas mãos…
Das mãos abertas
Qual cratera aberta no peito
Solta-se o mal
O pungente ácido da verdade
Rasgada a garganta com foices e enxadas
Enxurradas de pleitos e duelos
Dardos que ferem o silêncio
Das bocas que não falam porque as palavras
Definem cantigas de escárnio
E os tempos modernos apenas copulam
Metáforas sem sentido nas artérias do tempo
Onde as vidas comuns não correm
Paradas que estão sobre os batelões dos rios
Vazios
Envolvidas num casulo de lã e linho
A ruminarem nos átrios das escolas
Onde as crianças se esforçam por nada aprender
Depois de conhecidas as lições
De quem nada tem a ensinar!
Para que quero as mãos abertas
Se quem passa na luxúria das ruas
Ata-se aos maus tratos da carne
Com o sorriso cúmplice de quem
Pontapeia cães abandonados
Esbofeteia crianças impacientes
Escuta os berros descomunais dos machos
Que querem impor às fêmeas vontades pessoais
Incapazes de impor à sociedade qualquer coisa de valor!
Para que quero as mãos abertas
Se o suplicio de uma sociedade cega
Se cola às costas das minhas mãos
E não permite que sinta nenhum calor?
Só o vazio de todas as certezas reescreve
No poço sem fundo das sabedorias
O tudo saber da grandeza do nada
Quando oxida nos olhos lacrimejantes
O espectro de uma fé incontida e imprudente
Que apenas se manifesta no peito
Como um raio de futuro por acontecer…
Para que quero as mãos abertas
Se ao invés do rastreio hipocondríaco da vida
Uma multidão de mutilados
Lança roquetes e granadas
Convicto de fazer a guerra dos outros
E exibe no peito manchado
A insígnia de uma verdade
De uma super nova
Morta de ignorância!
É isso!
Esse raio de futuro que nunca chega
Que quero ter nas minhas mãos abertas!
É essa raiz de futuro que exijo
Nos olhos secos e ávidos de sorrisos
De tanto crerem que o mundo seja melhor
E acordarem pela manhã
Cientes de que não o é!
É isso…
Sobra apenas na minha mão
A marca de um desejo de ser feliz
Num futuro que ainda não começou…
Nas minhas mãos abertas…
António Casado
4 Agosto 2010