Ela metia medo mas a curiosidade era muito maior. Achava-a sinistra,misteriosa. Hoje quando olho para a única fotografia dela,em preto e branco, entendo sua beleza. Tento me lembrar dos detalhes mas foi há tanto tempo! Lembro que o muro era todo de pedras e cercava toda a propriedade mas não havia um portão, apenas uma abertura por onde podia entrar quem quisesse. As paredes da casa pareciam mosaicos. Eram feitas de pedras,cacos de vidro e outros materiais que eu não lembro. Lembro-me claramente dos pedaços de garrafas incrustados nelas. Mas o que me impressionava mesmo eram as esculturas do jardim. Havia uma, em especial, que me fascinava e assustava ao mesmo tempo. Era uma mulher nua,ajoelhada, olhando para cima com uma expressão contida e angustiada. Os joelhos eram,propositalmente, arrebentados. Os cabelos eram longos e lisos e,não sei por quê, eu achava que ela era loira. Também havia uma mãe,eu suponho, porque estava em pé ao lado de duas crianças. Todas com expressões muito tristes.
Eu sempre passava as minhas férias na casa de praia da minha avó que ficava mais perto do morro do que do mar. Tínhamos que atravessar a via férrea e a estrada para chegar à praia. E ninguém reclamava. Tínhamos montanha e praia ao mesmo tempo! A água encanada era salobra, não servia para beber ou cozinhar. Havia uma fonte de água natural,bem perto do sopé da montanha. Íamos todos, munidos de garrafões,buscar água na tal fonte. Não dava prá ir de carro,era uma trilha no meio do mato. E foi percorrendo essa trilha que descobrimos a Casa da Bruxa.
Ninguém sabia quem morava lá, ninguém se atrevia a entrar.
Parávamos em frente à casa para descansar e, a cada vez, eu fazia uma nova descoberta.
Houve um dia,no entanto, em que,finalmente,conhecemos o misterioso morador. Era um homem alto, loiro,não sei precisar a idade, talvez uns cinquenta anos. Eu era muito pequena e essas lembranças são um pouco nebulosas. Sei que ele era alemão, lembro bem que tinha sotaque. Ele nos contou que construiu a casa sozinho,durante anos. E era,naturalmente, o autor das esculturas que tanto me impressionavam. O mais interessante da história é que ele era um sujeito extremamente amável,longe da figura sinistra que imaginávamos. Ele nos convidou a entrar e mostrou,de bom grado,as dependências da casa. O que eu mais me lembro é do quarto, a cama era um imenso bloco de pedra. Lembro-me também da cozinha,não havia armários. Os utensílios ficavam todos pendurados e as panelas de ferro,espalhadas sobre bancadas. Isso ficou gravado na minha memória. O resto eu não lembro. Mesmo porque, fiquei a maior parte do tempo no jardim. Queria ver as estátuas de perto. Queria tocá-las.
Fico imaginando quem seriam as pessoas retratadas nas esculturas. Fico imaginando se ele teve uma família, um amor. Fico imaginando quem poderia ser a mulher torturada.
Na fotografia que citei no início desta crônica, ele está sorridente ao meu lado. Também estão na foto meu irmão, minha mãe e dois tios. Meu pai foi o fotógrafo.
A Casa da Bruxa é uma das melhores lembranças da minha infância. Ela povoa a minha imaginação desde sempre, me inspira e me leva a viajar por outros mundos.
Acho,até,que se eu não tivesse aquela fotografia,acabaria por acreditar que toda esta história não passa de um belo sonho!