001
Eu não te quero, apenas te desejo,
E sei quanto isto custa para nós
Na divergência vejo ausente foz
Um estuário aquém do belo ensejo,
Ao desvendar apenas o lampejo
Aonde imaginara em firmes nós,
O amor ao mesmo tempo tão atroz
Esquece do que fora algum verdejo,
Esmeraldino sonho? Vã figura
E nela a realidade se mistura
Tornando mais sombrio o fato em si.
E quando te desejo aqui comigo,
O corpo em tal delírio que procuro,
Eu sei quanto decerto então perdi.
002
Na minha solidão, guardo este afeto
Qual fosse algum troféu, ou mesmo um sonho
E quando um novo dia eu me proponho,
O velho se mostrasse mais completo,
Resumo neste fato o predileto
Caminho aonde às vezes eu me ponho,
E resolutamente sou bisonho
Somente num fantasma eu me repleto.
Ascendo ao mais perfeito paraíso
E sei que na verdade eu me matizo
Em cores tão diversas da verdade,
Olhando para os lados vejo apenas
Os trágicos ditames de tais cenas,
E nelas solidão maior invade.
003
Um retrato deixado na gaveta
Já tanto amarelado pela vida,
Presumo desde então a desvalida
História deste amor, tosco cometa
E quando no passado eu me arremeta
Não vejo para tal qualquer saída
Senão a mesma velha renascida
Das trevas onde a dita me acometa.
Apostas degradadas pelo tempo,
O risco de sonhar diz contratempo,
Angustiadamente este retrato
Demonstra resumindo o que fui eu,
Um rumo que deveras se perdeu
Apenas num instante isto eu constato.
004
Tantas vezes sonhei, mas nem recordo
Dos vários e terríveis medos quando
O tempo noutra face se mostrando
Deixando a solidão subir a bordo.
E quando cada engodo ledo; abordo
O peso desta forma destroçando
O resto de mim mesmo desolando
E sei que na verdade não acordo.
Presumo um novo sonho. Tolamente.
A vida a cada dia mais desmente
O resto que ficara dentro em mim,
Represas tão dispersas e medonhas,
Enquanto a minha sorte tu reponhas
Aproximando vejo então meu fim.
005
Apenas navegar, contigo em sonhos
E ter esta incerteza de algum cais,
Os dias se refletem, são iguais
E os métodos que trago; são bisonhos,
Aonde se mostrassem mais tristonhos
Delírios entre fartos roseirais
Espinhos dominando são bem mais
Que as cores em momentos mais risonhos;
Cercando com as ervas tão daninhas
As alamedas morrem, não são minhas
Assim como estas vinhas que abortaste,
Do todo imaginário, quem me dera,
Resumo no vazio a primavera
E o tempo se perdendo em tal desgaste.
006
A garrafa demonstra esta mensagem
Do náufrago isolado dentro em mim,
Partilho neste instante o mero fim,
Da curta e sem prazer, torpe viagem,
Buscara noutro fato nova aragem,
A discrepância chega e toma assim
Cenário nesta peça tão ruim
Rompendo o que pudesse ser barragem,
A carcomida face do abandono,
Aonde a cada dia desabono
Edênico caminho? Nem por perto.
Satânica expressão ditando a norma,
O dia a dia aos poucos me deforma,
Esperança decerto enfim deserto.
007
Eu já não mais anseio, nem por ter
Uma impressão qualquer de alguma sorte,
No fundo talvez isto me conforte,
O fato de somente poder crer
Na morte anunciando o anoitecer
Da vida sem sequer caminho e aporte,
Não tendo mais quem queira e me suporte,
Restando pouco a pouco apodrecer.
Tecesse em esperança um céu tranqüilo,
Mas quando imprevidência; assim destilo
Restauro o mesmo aborto incipiente
E desta vil carcaça nada resta
Senão esta expressa mera e funesta
Aonde algum alento; ao menos, tente.
008
Tanto me faz ganhar ou simplesmente
Seguir a correnteza, nada eu tenho
Senão a mesma tez em mau empenho
De quem sabe que a vida agora mente.
Remeto-me ao furor e penitente
Vasculho o quanto resta mais ferrenho
E bebo enquanto farto e não provenho
Alheio ao desejar iridescente.
Ao menos uma vez bem poderia
Alçar além do cais uma alegria,
Porém os meus demônios alimento
Com toda esta excrescência dita sonho
E quando algum cenário; em vão, proponho,
Recebo tão somente o desalento.
009
Quem sabe, poderei me libertar
Nem mesmo que somente após a queda
E nesta solução já se envereda
A vida sem saber sequer lutar,
O tanto poderia desvendar
E ver a face escusa da moeda,
Mas quando este delírio, o tempo seda
Concedo-me aos demônios deste mar.
Exacerbando em mim a fúria quando
O manto noutro tanto deformando
Gerando este caráter mais venal,
Aprendo enquanto o fim eu prenuncio,
E tanto quis apenas um rocio
Qualquer onde a manhã é sempre igual.
010
Cada momento segue sem o após
E o vandalismo impera aonde eu quis
Ao menos poder ser bem mais feliz,
Ausência dominando em tom feroz,
A vida por si mesma, meu algoz,
Regendo com terror a cicatriz
Aonde uma esperança em chamariz
Não teve e nem teria qualquer voz;
Arrasto-me na vida, e das galés
Sabendo tão somente por quem és
Sou resto e como tal, mal sobrevivo,
Repasto para as tantas rapineiras,
Minha alma entre as serpentes sorrateiras
Traduz o quanto agora sou cativo.
11
Não quero mais teus beijos nem carinhos,
A vida não seria desta forma,
O quanto a realidade já deforma
E deixa tão somente estes daninhos.
Vencesse a insensatez de tais caminhos
Bebendo qualquer sonho, uma reforma
Aonde o velho morto se transforma,
Mas nada vejo além destes espinhos.
Eu quis acreditar mesmo que ainda
A sorte se desnuda e não deslinda
Sequer a menor face deste fato
Se nele me inserindo não retrato
Sequer a menor sombra desta infinda
Loucura e seco em mina algum regato.
12
Talvez Deus permitisse, enfim sonhar
O quanto inda me resta nesta vida,
E nela nova sorte presumida
Jamais ocuparia algum lugar,
Cansado de teimar e de lutar,
Sem ver sequer se existe uma saída
A história se repete e dividida
A senda não permite caminhar,
Errático e medonho nada leve
O sonho que decerto muito em breve
Apenas um espectro e nada mais,
Demônios se alimentam nos meus dias
E bebo tanto quanto me darias
Em troca de momentos triunfais.
13
Se eu falar de saudade, diga nada,
Que a própria persistência da loucura
Na qual o traste amor dita a amargura
Presume o fim da noite em vaga estrada,
Resumo em dor o passo e, desolada
A vida na verdade me tortura,
E bebo desta tola e vã fartura
Da senda há tanto tempo envenenada.
A serpe que se arrasta no meu ser,
O frio do abandono a se tecer
No herético jazigo em provisão,
Alheio aos meus caminhos; tento mais
E sei da etérea ausência de algum cais,
Nos dias em tormenta que virão.
14
É simplesmente verso sem sentido
Meu canto em tez dorida enquanto é rude
E mostra a vida e quando ela me ilude,
Espelha um vago olhar, já desvalido,
O tempo adivinhado ou presumido,
Refém da minha tosca magnitude
Transcende muito além do que mais pude
O velho coração envilecido.
Antrazes e demônios que cultivo,
Masmorra na verdade, eu sou cativo
Dos tétricos e heréticos miasmas
Amores do passado me rondando,
O tempo mais atroz duro e nefando
Bebendo novamente estes fantasmas.
15
Amando vou levando, de empreitada,
Embora no final já não consiga
Sentir a mão suave e até amiga
Deixando minha noite amargurada,
Enquanto no final não sobre nada
O vento que me alenta desabriga
E o passo sem futuro desobriga
Quem tenta acreditar noutra alvorada,
Apresentando ao fim a mesma escara
Aonde a minha dita se escancara
Fortuna tão cruel quanto venal;
Amando e sem ser sequer amado,
O tempo noutro tom já decifrado
Prepara dos meus sonhos, funeral.
16
O tempo que jamais achei em mim
Desvendo quando vejo no horizonte
O todo quanto quero e ora se aponte
Traçando outro cenário. Calmo, enfim.
Navego sem saber sequer do sim,
Mas tento novamente ver a fonte
E crio em fantasias esta ponte
Traçada a cada passo quando vim
Esgoto última chance, a derradeira
E mesmo se a vontade ainda queira
Na prática o final já se emoldura
A vida tão bisonha quanto gris,
Impede o passo e tudo contradiz,
O quanto tento ainda em tal brandura.
17
Das horas nem por ora faço caso,
Apenas disfarçando o passo enquanto
O mundo não se traz e não me espanto,
Percebo o quanto quero e mesmo aprazo,
Vagando pelas sendas deste ocaso,
O risco de um delírio e de um quebranto
A cada amanhecer transborda em manto
Venal o que se fez não por acaso.
Brumosa a vida teima em ser dispersa
Enquanto para a morte o passo versa
Em frenesi meu sonho se alimenta.
Restauro a mocidade há tanto morta,
E sei que atrás de fina e frágil porta
Encontrarei a senda mais sangrenta.
18
Em meio a tantas farsas me embaraço
E perco a direção se ainda tento,
No fundo a solidão em sofrimento
Domina com certeza cada espaço,
E sinto tanto opaco quanto baço
O risco de viver no alheamento
E quando novo porto além invento
Repete-se deveras o compasso.
Esparsos dias tenho pela frente
E nada do meu rumo se apresente
Senão a incompetência de quem busca
Vencer as mais sutis vicissitudes
E mesmo quando queres ou se mudes
A sorte continua amarga e brusca.
19
Sem fleugma, sem vergonha, mentiroso,
Opaco caminhante do vazio,
Devasto cada passo aonde eu crio
Teimando noutro tanto caprichoso,
Revelo a condição deste andrajoso
E mero pária quando eu desafio
A longa caminhada deste rio
Num tom quase sarcástico ou jocoso.
Apresso-me a tentar delimitar
As ânsias onde escondo algum lugar
Escuso dentro da alma, mas não posso,
E quanto mais reluto mais me exponho,
E sei do caricato e até medonho
Fantoche onde alimento este destroço.
20
Invento dores, falsas cãs até
E tento navegar por meus audazes
Caminhos onde anda mesmo trazes
Tentando desatar fina galé,
O rústico demônio sabe que é
Exposto à solidão em várias fases
E beija tais feridas meus antrazes
Provoca num momento a própria fé;
Adentro os meus difíceis e intragáveis
Por vezes mais sutis ou insondáveis
Âmagos onde eu pus a caricata
Figura transcendente ao meu destino,
E quando este fomento eu determino
A vida noutra vida não resgata.
21
Meu mundo tanta vez em pedregulho
Aonde quis diverso diamante,
No fundo a cada engodo me adiante
A morte e nela em paz quero e mergulho,
Vagando em tom sombrio este marulho
Agora noutra face, noutro instante,
Porquanto a própria queda é fascinante
Os tantos dissabores, pois vasculho.
Escarpas entre tantas que vislumbro,
E quando em tez mordaz eu me deslumbro
Quimérica loucura se anuncia,
E o vândalo fantoche deambula
E mostra a face exposta em dor e gula
Num mar em pedregulhos, a agonia.
22
Não tive nem rainhas nem plebéias,
Ausentes dos meus sonhos, realistas.
E quanto mais encontro velhas pistas,
A sorte não mudando mais de idéia,
Amor eu nunca vira em panacéia
E sei também que assim tão logo assistas
Os fins das minhas preces noutras listas
Gerando esta satânica assembléia.
Cascalhos costumeiros dentro da alma,
O fundo deste poço, enfim me acalma
E resto com segura mão aonde
O nada se produz e reproduz
Não tendo ou discernindo qualquer luz
E a própria fantasia não responde.
23
Sou resto, rimo sempre por rimar,
Embora em consonância com a vida
A história preconize a despedida
Ainda busco apenas um lugar,
Diverso do que tento imaginar
Na senda muitas vezes distraída
Figura pelo tempo apodrecida
Aonde cismo mesmo em embrenhar.
Estéticas diversas, mas comuns
Aos que sabendo logo quais nenhuns
No máximo talvez uma escassez,
Presuma o que se faz em tom constante
E mesmo quando a vida se adiante
Apenas este espectro ainda vês.
24
Nem tenho céu, quiçá terei profundas
E vejo em tais plutônicas veredas
O quanto dos meus dias me concedas
E nelas tuas mãos seguem imundas,
As sortes dos demônios oriundas
Vestindo ou revestindo com tais sedas
Ainda mesmo quanto assim procedas
Escassas ilusões enfim inundas.
Ardentes dias negam lavas quando
Vulcânica expressa já me tomando
Ecoa dentro em mim apenas isto.
E quando sou audaz porquanto insisto
Mesquinharias ditam o tropeço
De quem se fez apenas. Reconheço.
25
No jogo da permuta sonho/vida
Não tento mais sequer algum relance
E quando a sorte dita e mesmo avance
Na face destroçada e desmedida,
Encontro algum sinal em despedida
E tendo da esperança algum nuance
Não vejo na verdade qualquer chance
O jogo se perdendo de saída.
Recalco qualquer medo quando alheio
Meu passo junto ao tosco devaneio
E bebo tais cicutas que me dás,
Acasos entre ocasos, quedas tantas,
E logo num sorriso já levantas
E tentas transformar a guerra em paz.
26
Troquei não ser feliz por fantasia,
No fundo não mereço nem sequer
O quanto ainda mesmo se aprouver
Do fato aonde a vida me agonia
Ridículo fantoche em zombaria,
O vândalo deveras tenta e quer
Nesta altivez soberba o que puder
Gerando dentro em mim tal confraria.
Apresso-me ao apreço de quem tenta
Singrar com aridez qualquer tormenta
E bebo junto às súcias mais mordazes,
Enveredando as pútridas quimeras
No quanto em desvario me aceleras
Também outros momentos; vis, me trazes.
27
Confesso então que ao ser ledo e vadio
O mergulhar nos sonhos, falso brilho;
E quanto mais audaz e em vão palmilho
O tanto que inda resta eu desafio.
O passo se prendendo por um fio,
O parto se negando onde eu partilho
Funéreo caminhar deste andarilho
Tomado por insânia e desvario.
Um desabafo apenas, simplesmente
A vida na verdade teima e mente,
Resume noutro esgar, embora seja
Mesmice transformada em tom sutil,
Ousando com terror do mesmo ardil
A dita se demonstra mais sobeja.
28
Nem esperei sequer raiar um sol
Imerso em minhas brumas costumeiras
E quando novo rumo ainda queiras
Vazio se percebe este arrebol,
A solidão transforma em vão farol
As tantas ilusões, velhas bandeiras
Jogando para aquém destas ladeiras
Meu sonho em duro infausto, um girassol.
Presenciando a morte desta esfinge
A vida na verdade teima e finge
Realizar alhures a promessa
De antanho vejo assim e não reflito
Embora sempre esteja mesmo aflito,
A velha mesquinhez se recomeça.
29
Montei no meu cavalo e fui embora,
Tentando observar bem mais de perto
O quanto do meu mundo em vão deserto
E beijo nova face onde se aflora
A sorte desdenhosa e tão senhora
Dos dias que procuro e não desperto,
Vencendo o meu domínio a descoberto
Enquanto em palidez se revigora.
Estreitos passos ditam o que tento
Singrar mesmo defronte ao forte vento
E nele resumir a minha história
Jogado entre as marés, apenas isto,
E quando tento a luz enfim desisto
Moldando num segundo a luta inglória
30
Não soube nem talvez nem mais quisesse
Se ainda fosse viva esta esperança
Que agora ao cadafalso já me lança
Qual fosse; no final, uma benesse.
O quanto desta vida se escurece
E o manto no vazio agora avança
Precede no terror tal aliança
Aonde se desdenha e a luz esquece
Houvesse qualquer chance, mas sei bem
Que nada simplesmente me convém
Senão a prepotência de quem guia
Rebanho para o abate em tom tenaz
E a sorte na verdade pouco faz,
Apenas testemunha esta agonia.
31
Quem sabe, na manhã que vai nascer
Eu possa reviver o quanto quis
E nada se fizera em chamariz
Gerando tão somente o entorpecer,
Alçando alguma estrela sem poder
Tocar ou mesmo até a falsa atriz
Num tétrico momento me desdiz
E gesta dentro em si tosco prazer.
Extraio cada raio desta lua
E bebo desta deusa prata e nua
Seara tão diversa, alucinógena
E a deusa na verdade quase andrógena
Espraia ao longe o brilho sem igual,
Resíduos de momento divinal…
32
Eu posso procurar e nada ter
Senão as mesmas velhas evidências
E nelas as diversas eloqüências
Tomando o meu cenário em desprazer,
Restauro com temor qualquer poder
E nele bebo as sortes em clemências
E gero noutro ermos as decências
Tentando cada vez mais merecer,
A porta se cerrara há tantos anos,
Ainda vejo em mim atrozes danos
De dias mais terríveis onde eu pude
Singrar a insanidade e mesmo até
Rondando a minha estrela sem ter fé
Perder sem ter remédio; a juventude.
33
Procuro em toda face; a que eu perdi
E nada mais se faz senão a troça
Ainda se percebe e nada endossa
O passo sem destino lá e aqui,
Resumo o meu caminho sempre a ti,
E nada do que eu tente ainda possa
Vestir a fantasia não adoça
O quanto me amarguei e já sofri…
A sórdida presença da saudade,
A face caricata que me invade
Degrada cada espaço dentro em mim,
Procuro a tua face em cada rosto
Tentando me ocultar, mas sempre exposto
Ao tanto quanto posso até o fim.
34
Então por não saber dessa Maria,
Que dentre tantas outras se escondeu,
O mundo quando outrora fora meu
Apenas desnudada a fantasia
E toda a sorte nega a serventia
Do manto em dura face, mundo em breu,
Restando muito pouco se aprendeu
Somente a desvendar o quanto havia.
E cada passo dita esta masmorra
Aonde nada mais tente ou socorra
Quem sabe ser tão pálido o destino,
Açoda-me a vontade de poder
Gerar dentro de ti um novo ser,
O filho de um completo desatino.
35
Desconto na cachaça – poesia
A farsa que se trama em luz dispersa
A vida na verdade desconversa
Enquanto novo tempo não recria,
Restauro o que inda trago em utopia
E nada da vontade se universa
O ranço do passado, a dor submersa
Nesta torrente amarga tênue e fria.
Num abandono apenas, tão somente
A vida noutra face não desmente
E brota novamente o podre grão
Semente de um passado sem guarida
Numa explosão terrível, leda vida,
Traduz os dias torpes que virão.
36
Dos amores que tive, e foram tantos
Apenas meras sombras no presente
Os ritos costumeiros, tudo mente
E sobram tão somente novos prantos,
Resumo os meus destinos entre os cantos
E tento a cada passo, impertinente.
Razão para sonhar, deveras tente
Ainda que se mostrem tais quebrantos.
Preparo a queda enquanto ainda sonho,
Um Ícaro sem rumo impróprio e cego,
O quanto do vazio eu já navego
E bebo novamente este medonho
Delírio e nele perco cada cor,
Iridescente ou pálido este amor?
37
Das mulheres que em sonhos concebi,
Nenhuma se aproxima da real
Que tantas vezes dita o bem e o mal,
E neste mais temido frenesi
Vagando no silêncio chego a ti
E bebo o quanto sou residual,
E neste fardo risco sensual
Esqueço o que deveras prometi,
E tento realçar este caminho
No qual a cada instante me avizinho
Do herético desfecho em dor e sombra,
Mas quando mergulhando no passado
O amor que imaginara destroçado
Ao reviver decerto sempre assombra.
38
Meus dedos, nas carícias se perdendo
Sem ter sequer mais tréguas tento ainda
A doce fantasia clara e linda
Embora eu me conceba algum remendo,
O fim da minha história em dividendo
Transcorre no que tento e já se finda
Orgástica loucura não deslinda
O olhar de quem mentira se prendendo.
Resgato cada farsa aonde um dia
Talvez mais insolente; tentaria
Gerando nova mente após a queda
Expresso esta ilusão agora em ti,
E sei que do passado me embebi
No caos ocasional que ainda seda.
39
Tantos planos, enganos, falsidades;
O parto não se faz e a morte ronda,
Quem tenta na verdade enfrentar onda
Em meio às tenebrosas tempestades
Porquanto a própria vida não se faz
Nem traz a lua imensa que eu busquei
Nublando sem defesas toda a grei
Gerando um clima atroz, mesmo mordaz,
Respaldos que procuro e não adentro,
O marco discordante a cada verso,
Resíduos de talvez velho universo
Aonde me imagino em pleno centro.
Restando disto tudo esta atitude
Deveras discordante e mesmo rude.
40
Foram peças cruéis do meu destino
As mesmas que rompeste num rompante,
E o todo se apresenta doravante
Qual fosse o fardo aonde me extermino
E teimo contra a fronde em desatino
Restauro o meu delírio e me adiante
Gerando nova farsa e provocante
Adentro o que buscara diamantino
E sinto cada ausência em tons diversos
Expresso a solidão nestes meus versos
Arcando com a impávida promessa
De quem a cada noite mais se esvai
E o passo no vazio só contrai
E todo o meu fastio recomeça.
41
Matando aos poucos, sonhos do passado
A vida contradiz o realejo
E cada vez que a cena; em mim revejo
Percebo este ar dorido e desolado,
O peso do viver em sombreado
Vergando com terror cada desejo
E a morte se aproxima e sei que almejo
O fim que talvez deixe algum legado
Espúrio, mas decerto uma lição
Ousando nesta vida desde então
Cerzida em sonho e farsa, tão somente,
Do todo que queria e nada tendo,
Apenas o vazio em dividendo,
Espalho pelo céu torpe semente.
42
Nas mais diversas camas; chama e brasa
Atento cada olhar repara bem
O amor quando deveras amor tem
No fundo não se mente nem defasa,
O passo noutro canto não se atrasa
E tento resistir mesmo ao desdém
Na furiosa noite que inda vem
A sorte noutra face não se embasa;
Pesando em minhas costas este amor
Que pude noutro tempo sonhador
E agora em atitude mais diversa
Resume cada parto em mero aborto,
E o tempo se mostrando alheio porto,
Num mar sem direção, meu barco versa.
43
Nas mais divinas bocas; naufraguei
Os sonhos de menino e nada além,
O mundo sem trazer sequer alguém
Esvaziando assim a doce grei,
Resulta nisto tudo o que passei
E morto sem olhar sequer a quem
E tendo este caminho sempre aquém
Do quanto mais se quer e não terei.
Estuários diversos dita a vida
E nada de encontra nem a saída
Do imenso e tão temido labirinto,
O corte se aproxima e nada vindo
O Minotauro em mim logo eu deslindo
E o tempo de existir em sonho, extinto.
44
Embora tanta glória eu possa ver
No olhar de quem se fez além do cais,
Os dias na verdade são iguais
E neles ausentando este prazer
De quem se dera mesmo a conhecer
Vencendo os dias turvos, rituais
E neles desenhando sensuais
Caminhos que jamais vou percorrer.
Esgoto a minha força e a cada queda
O dia vai cobrando e o tempo veda
Passagens para aonde ainda existe
O canto mais audaz de quem sabia
A noite na verdade é mais sombria
E o coração audaz, persiste triste.
45
Julgava, tolamente, fosse rei
De um reino imaginário feito em paz,
Do quanto poderia e nada traz
Somente este vazio eu desenhei
E quantas vezes mesmo até sonhei
Um dia com ternura e sinto audaz,
Mas quando se percebe a contumaz
Loucura e nela apenas mergulhei;
Espuriamente o tempo se renega
E a vida noutra face quase cega
Espalha sem sentido e direção
O todo que ajuntara no meu ego
E assim em mar sombrio já navego
Perdendo com o tempo meu timão.
46
Percebo, na tardinha dessa vida,
A noite mais nublada que eu pensara
Apenas o vazio na seara
Expressa a caminhada em despedida,
A morte a cada ausência sendo urdida
O corte sem defesas desprepara
E toma sem pudor e se escancara
Mordaz figura agora decidida.
Expondo em verso assim realidade
Ainda que deveras tente e brade
A voz já se calando sem resposta
A imagem que inda tenho de esperança
Jogada no vazio enfim alcança
A tétrica figura decomposta.
47
Que em cada encontro, havia novo após
O sonho não perdera qualquer chance,
Mas quando no vazio já me lance
Apenas se tornando um mero algoz.
Aonde imaginara ainda em nós
A sombra de algo mais, algum romance
O tempo se demonstra e num nuance
Derrama a sutileza noutra foz.
Expresso solidão a cada dia
E tento vasculhar a fantasia
Na busca por detalhes mais sutis,
Porém o que inda resta por viver
Traçando em dor e mágoa o desprazer
Sonega o quanto em vida eu sempre quis.
48
Silenciar feroz dessa existência,
Na marca da pantera na garganta
A faca adentra fundo e se garanta
O fim de qualquer passo em prepotência,
O tanto desta sorte sem cadência
O tempo na verdade se adianta
E a morte em tal sangria, traz a manta
Marcada pela fúria e inconseqüência.
Gestara qualquer forma de sonhar,
Galgando cada estrela e este luar
Ainda que em fantástica ilusão,
Depois de certo tempo percebi
O quanto no caminho desde aqui
Traçara em tal mortalha a vida em vão.
49
A noite s’aproxima, vem inteira
A lua que eu buscara desde quando
O tempo noutra face se nublando
Gestando a dor temida e costumeira
E o riso se anuncia por bandeira
De quem outrora fora quase infando,
E tudo em minha volta transbordando
O sonho que em verdade tanto eu queira.
A sorte em nova face agora eu vejo
E sinto este momento em azulejo
Traçado pela paz do amor sincero,
E nele se percebe claramente
O quanto de mim mesmo se apresente
Trazendo o quanto sonho e sempre quero.
50
Procuro noutros braços por talvez
O sonho que gerara no passado
E agora noutro tempo, em tolo enfado,
Deveras com certeza já não vês,
Cenário quando a vida se desfez
Outro momento eu sinto degradado,
E quando mergulhando eu desagrado
A vida modifica rumo e tez.
Na sórdida presença de uma tensa
Realidade aonde não se pensa
Senão na fúria atroz e realista
A dita sonegando qualquer rumo,
Aos poucos sem ninguém eu já me esfumo
E nada no final que a sorte avista.
51
Encontro a solidão por companheira,
E tento discernir qualquer alento
Aonde na verdade o pensamento
Não traz sequer a luz como bandeira
E tanto ser feliz quanto se queira
E bebo o mais temido sofrimento
Na face deste torpe alheamento
Ainda tendo à frente esta ladeira.
Acode-me somente a poesia
E nela novo tempo fantasia
Esta alma sem respaldo de um amargo
E tosco caminheiro sem legado,
O peso do viver tem maltratado
E a voz a cada não bem mais embargo.
52
Não quero mais sentir esse bafio
Da vida se esgotando em podridão,
Apenas outros dias mostrarão
O quanto disto tudo eu desafio,
Mas vejo o sortilégio em fino fio
E o vento sonegando a direção
Esbarra na semente em solidão
E gera novamente um vago estio.
Descrente deste encanto aonde há tanto
O mundo que eu buscara e não garanto
Trouxera pelo menos qualquer paz,
O risco de sonhar e ser talvez
O quanto em esperança nada vês
Tornando o dia a dia mais mordaz.
53
Nem quero mais lutar inutilmente
A sobra do que eu fora; se perdeu.
E o passo neste mundo outrora meu
Agora novamente se desmente
E gera a cada curva outra serpente
Marcando com o bote o que se deu
No sonho mais audaz e pereceu
O tanto que eu buscara, num repente.
Renasço destas cinzas? Sei que não.
O passo se mostrando em direção
Contrária à que se mostra mais plausível
O sonho transformado em impossível
Esbarra no vazio onde se dera
Gerando a cada espaço nova fera.
54
Pudesse simplesmente me encontrar
Resíduos que espalhara como rastros
Gerando novos dias destes lastros
Aonde nada tenho nem o mar,
E quando poderia enfim amar
Ainda mergulhar além dos astros
E tanto se fizessem de alabastros
O encanto mor da vida, meu altar.
Romântico talvez, um sonhador,
Mas quando a vida rouba algum frescor
Tornado a primavera mais distante
Neste outonal caminho verso só,
O sonho se desfaz e nem o pó
Do quanto imaginei já se adiante.
55
Ao ritmo de boleros, tangos, tanto
Momento do passado e agora apenas
Revejo como um morto velhas cenas
E tento disfarçar meu desencanto.
Ainda qualquer sonho eu me garanto
Nas noites mais suaves e serenas,
E quando em realidade me condenas
O todo se transforma em tosco manto;
Senilidade invés de luz aonde
O tempo na verdade não se esconde
Nem mesmo diz do olhar queimando breve
Ardências de um verão que não verei
A morte desenhando a minha grei
A cada novo dia mais se atreve.
56
Esboço algum sorriso mesmo quando
A neve agrisalhando meus cabelos,
Difícil revelar ou mesmo vê-los
No templo a cada dia desabando,
O mundo noutra espreita se tomando
Enveredando em mim torpes novelos
Porquanto inda tentasse em novos zelos
Cenário noutra forma se traçando.
O fim em dor somente e nada além
Da mera penitência me contém
E resto em desalento e desafeto,
O tanto que sonhei e nada tinha
A sorte quando eu quis nunca foi minha
Apenas no não ser eu me completo.
57
Espreito o meu olhar de antigamente
Na face desdentada de hoje em dia
E o corte a cada passo mais urdia
A fúria sem igual, tosca e inclemente
A própria realidade já não mente
E todo este sabor não saberia
Quem vive tão somente esta utopia,
Inverno me tomando plenamente.
Espalho cada parte do que fora
Uma alma muitas vezes sonhadora
Perdida entre os enredos mais cruéis
E cirzo com temor o quanto resta
Não vejo na verdade qualquer fresta
E bebo dos meus dias fartos féis.
58
Quantas vezes vi além
Do que tanto quis somente
Quando a vida não desmente
E em verdade nada tem
Resumindo este desdém
No vazio impertinente
Onde quer que ainda tente
A receita não cai bem.
Meu sentir aflora enquanto
Desnudando o velho manto
Resumira o verso em não,
Restaurar meu universo,
Num momento tão disperso?
Dias novos não virão.
59
Tanta coisa por fazer
Nesta vida e nada tenho
A não ser o mais ferrenho
Desmedido desprazer,
Ao tomar inteiro o ser
O que busco com engenho
Na verdade de onde eu venho
Já não soube amanhecer.
Violeiro e repentista
O que tanto já se insista
Nada faz e somente isto
Tanto basta quando ajuda,
Numa vida tão miúda
Teimo sempre e não desisto.
60
O meu verso bebe a lua
Sertaneja dama exposta
No caminho onde composta
A beleza continua
Mesmo após a farsa crua
Deste não como resposta
O carinho não desgosta
Quem no amor teima e cultua;
Restaurar meu passo aonde
O sertão em mim se esconde
E talvez respire fundo,
Mascarar a minha sorte,
Ao tentar novo suporte,
Vasculhar inteiro o mundo.
61
Um poeta busca as rimas
Onde quer que o sonho esconda
Deste mar reflete uma onda
Onde apenas me redimas,
E mudando velhos climas
A saudade faz a ronda
E talvez já não responda
Ao que tento em vãs estimas,
Não suprimas o meu sonho
E se tenho ou me proponho
Nele vejo este resgate
De uma vida atroz e dura,
Onde nada mais perdura
A não ser o que maltrate.
62
O tesouro em verso feito
Pelas mãos de um grande artista
No que tange ou mais insista
Deixa o olhar mais satisfeito
E deveras me deleito
Quando o canto já se avista
E o luar não mais despista
Toma todo em prata este eito.
Argentina maravilha
Que deveras se polvilha
Em estrelas, pirilampos,
Sou falena simplesmente
E decerto ainda tente
Reviver em mim os campos.
63
Ao cantar em tantas luzes
Farto brilho produzindo
Um cenário claro e lindo
Onde logo me seduzes
E decerto ao mor conduzes
Neste altar prata luzindo
Lua cheia discernindo
Entre os cânticos reluzes;
Ver-te nua, lua bela
Nisto a sorte se revela
E permite em rara teia
O futuro iridescente
Quanto mais amor se sente
Mais a noite se incendeia.
64
Consagrando a ti um verso
Onde eu possa declamar
A beleza do sonhar
E rondar todo o universo,
E se tento ou mesmo imerso
Neste raio de luar
Novamente irei cantar
O meu sonho a ti disperso
Claramente a deusa toma
E deveras traz a soma
Do maior ao mais profano,
No caminho em tom sublime
Toda a glória quando rime
Coração, deus soberano.
65
Nos cristais que derramaste
Pelas ruas quando passas,
Ao sentir noites escassas
No caminho em vão desgaste
Logo em ti tudo contraste
E o silêncio quando traças
Pelas ruas, pelas praças
A beleza que entranhaste
Ao vestir em ti a lua
Tanta sorte sempre atua
E flutua quem te vê
A clemência desta vida
Noutra face sendo urdida,
Tem agora o seu por que.
66
Não mais quero ouvir o brado
De quem tanto se fez vil,
O meu canto presumiu
Novo tempo em doce fado,
Ergo olhar ao prateado
Caminhar em manso ardil,
E deveras já se viu
Meu olhar enamorado,
Enluaro o coração
E semeio desde então
Nova sorte nesta trilha
Onde a vida se traduz
Num lampejo em rara luz
E decerto também brilha.
67
Com vital rusticidade
O meu passo se interessa
E deveras se confessa
Com ternura que me agrade,
O temor já na verdade
Noutro rumo se endereça
Quando a sorte vem sem pressa
Dominando em claridade
Liberdade sobre nós
Bela dama clama em voz
Mais sublime fantasia,
Tento além de meramente
O caminho onde apresente
Tanto amor no dia a dia.
68
Da viola que ponteio
Acordando o coração
Acordes, diapasão
Num luar enorme e cheio,
Outra sorte em devaneio
Novo rumo em precisão,
Tantos sonhos tomarão
O caminho onde rodeio,
Vago em ti enluarado
E decerto algum recado
Neste brilho mandas quando,
O meu peito sem defesa
Deste amor é mera presa,
Também vai se enluarando.
69
A linguagem deste olhar
Dita mais que qualquer voz,
Quando o sonho vive em nós
Eu entendo o quanto amar,
Desenhando em lua e mar
A beleza traça os nós
E deveras ao feroz
Aprendendo a acalentar.
No resumo desta vida
Tantas vezes a saída
Foi deveras tão sutil,
Mas ao ver na imensidão
Teu amor, raro clarão,
Paraíso então se viu.
70
Ao reinar a natureza
Sobre as fúrias desumanas
Onde a sorte; não profanas
Traz o raro com certeza,
E se vendo tal nobreza
Na verdade não te enganas
Bebes também quando emanas
A gentil, rara clareza,
Endeusando a cada verso
A rainha do universo
A deidade onde me entrego
Pelos mares dos teus braços
Entre dias turvos baços,
Nobres sonhos eu navego.
71
O buril de quem deseja
Tão somente ser feliz
E a verdade contradiz
Mesmo em noite tão sobeja
Ao traçar onde verdeja
Esperança que eu bem quis,
Na incerteza ou por um triz
Outra face já dardeja,
Latejando esta saudade
Quando toma e me degrade
Vasculhando tudo em mim,
Da emoção imensurável
Ao caminho lamentável
Do princípio dita o fim.
72
Águas claras, cachoeiras
Entre luzes e esplendores
Onde quer e mesmo fores
Noutro tom; já não mais queiras
As dolosas, traiçoeiras
Invernais grisalhas cores
E se bebes redentores
Tuas pernas são ligeiras,
Transparece a cada olhar
A beleza a nos tomar
De uma senda em elegância,
Na regência deste sonho
Cada verso que proponho
Bebe a paz em abundância.
73
Vento açoita teus cabelos
E transcende à própria luz
Quando em ti já reproduz
Meus delírios. Posso vê-los
E deveras nestes zelos
Farto brilho me conduz
E se tanto outrora opus
Hoje sonho até contê-los
Verso sobre cada ponto
Deste encanto onde me apronto
E mergulho sem defesa,
Leda cena do passado
Noutro esmero o desenhado
Caminhar em tal beleza.
74
Lira entoa em cantos nobres
O que a vida poderia
Transformar da fantasia
Que deveras já descobres
E se em paz agora cobres
O cenário moldaria
Nova face, alegoria
Outonais tons destes cobres.
E na cúpida certeza
De outro tempo em tal beleza
A verdade é conseqüência
Do caminho aonde a sorte
Com pureza nos conforte,
Mas também viva eloqüência.
75
Noutros tons, sobejas vozes
Entoando estas canções
Onde o mundo tu me expões
Escorraçando os algozes,
Mesmo em ares mais atrozes
Novos ritos e emoções
Geram raros turbilhões
Maviosos e ferozes,
Seduzido em tal loucura
Meu amor teima e perdura
Envolvido pelo passo
Captando esta imensa luz
Nela a face reproduz
Deste sonho que ora traço.
76
Lapidando com cinzel
Soberana natureza
Deslindando tal beleza
Reina nua neste céu,
Quando vejo a mão cruel
De quem tanto se faz presa
Da vontade e da grandeza
Envolvido em fátuo fel,
Resumindo a vida nisto,
Noutro tom eu teimo e insisto
E procuro a salvação
Entronada em lua cheia
A saudade me rodeia
E me mostra a direção.
77
Quando o coração se prima
Pela lúcida beldade
Que o olhar inteiro invade
E deveras muda o clima
Novamente nos redima
Da fatal dura inverdade
No caminho onde degrade
Natureza esta obra-prima.
Restaurar cada pedaço
Renovando quando traço
Meu sonhar além do engodo,
Bebo a sorte em serenata
E adentrando esta cascata
Olvidando além o lodo.
78
O meu canto em tom suave
Descortina a maravilha
De quem tanto amor palmilha
E em verdade nada agrave,
Reparando assim uma ave
Que deveras estribilha
No cantar e compartilha
A beleza e em cantos crave
Cada verso latejando
Na garganta desde quando
Percebera a sutileza
Desta cena em ouro puro
Neste sol onde emolduro
O sonhar, vital beleza.
79
Um canoro sabiá
Sabe mais em poesia
Quando além canta e assobia
E o meu rumo domará
Na beleza desde já
Envolvida em fantasia
O mergulho me traria
O que o sol revelará.
Seduzido em canto e glória
Revelando a merencória,
Mas suave voz a entranho
E percebo tanto alento
Nestes tons soltos ao vento
Nem de longe os acompanho.
80
Ter na voz este improviso
Feito em canto a cada instante
E se tange e me garante
Esta lira em tom preciso,
Pressentindo o Paraíso
Nele bebo doravante
O meu mundo alucinante
Sem saber sequer juízo,
Vasculhando cada ponto,
Onde tento e já desponto
O luar que existe em mim,
Como fosse flórea estrada
A manhã ensolarada
Reaviva o meu jardim.
81
Quem tenta discernir sem ter firmeza
Jamais poderá ver o próprio rosto
No quanto pela vida; decomposto,
Transcende ao pudesse uma certeza,
Resvala na fatal tola impureza
Pagando com a sorte, vago imposto
Jorrando mesmo quando a contragosto
O agosto faz de ti a mera presa.
Ecléticos caminhos são vorazes
E neles com certeza te desfazes
Tentando a mansidão aonde há fera.
Evade-se a verdade quando miras
E teimas em sofríveis vãs mentiras
Enquanto a própria história o degenera.
82
Ao pouco ou ao demais que a vida obriga
Quem teima em ser apenas o retrato
Mal feito do passado onde resgato
A cena mais terrível, leda viga.
Decompor minha senda e até prossiga
Seguindo cada curva do regato
Aonde em sortilégio não contacto
O rastro de quem fora a não me abriga.
Determinando o rumo em tom mais grave,
Apenas outro tanto que o entrave
Estanca no estuário da saudade,
Revelo meus heréticos fascínios
E perco a sanidade em tais domínios
Senilidade assim domando invade.
83
Quisesse nas ternuras mais sutis
Gestar outro caminho aonde esconde
A vida noutra face ou noutra fronde
De todo o meu caminho, a geratriz,
Respaldos onde outrora me desfiz,
A saga noutra voz já não responde
Irônico fantoche sabe aonde
O tempo noutro tempo o contradiz.
Arrenegando assim a própria dita
O tântrico desejo necessita
Da paz sobeja a cada passo além,
Telúrica beleza desta sebe
Olhar enamorado se apercebe
E toda a sutileza em paz contém.
84
O quanto sem saber nos acometa
A vida em aço e brasa, fogo e fúria
Espalha a cada passo outra lamúria
E gera a sorte fosse algum cometa,
No tanto quando posso e não prometa
Fartura se bem bebo da penúria
A sorte se transforma em mera incúria
Jorrando desconexa em tal falseta,
Falácia não responde ao que procuro,
E quantas vezes tento em solo o apuro
Que possa permitir semeadura
A carta desenhada em aridez
Mapeia com angústia o que tu vês
Fortuna nesta face se amargura.
85
Aonde mais ditosa vira a vida
Num antro aonde bebo com fartura
Sangrenta e virulenta esta armadura
E nela se percebe a voz sofrida
No quanto a própria insânia nos agrida
E tento com firmeza o quanto dura
A sorte noutra escusa e se emoldura
À sombra do sonhar adaga urdida.
Não sei senões e sim somente o fato
Se eu tento algum provento e já resgato
Prenunciando enfim um novo dia,
Aonde com certezas e talvez
Ainda da maneira que se fez
O rumo noutra face mostraria.
86
Chegado o ledo instante e nele apenas
As hordas mais danosas logo eu vejo,
Escasso caminhar dita o sobejo
Delírio e nele sei de velhas cenas,
Porquanto se tingissem mais amenas
As sombras dos meus ditos; não prevejo
Sequer alguma messe em azulejo
Enquanto a cada verso me condenas,
Escarras sobre o túmulo onde escondo
O mundo e na verdade não respondo
Iníqua criatura em tons sublimes,
O quanto me maltratas, não percebes,
Destroças o que resta nestas sebes,
E ao mesmo tempo assim tu me redimes.
87
Tentacular anseio me coíbe
De crer noutro desejo mesmo quando
A face se transforma e demonstrando
O quanto do passado não se exibe,
O farto desenhar tanto proíbe
E gera na verdade este ar nefando,
O rumo noutro tanto desmembrando
Meu passo com certeza este erro inibe,
Esta enganosa mão que assim se trama
Desenvolvendo a fúria em tosca chama
Restaura os meus ermos mais sombrios,
E tanto me abandona quanto sorve
O canto noutro tom já não se absorve
E perco a direção, escassos fios.
88
O quanto a própria vida nos apronta
E gesta a solução herdada quando
O manto se desnuda demonstrando
Continuidade após nova vergonta
E sei que a solução assim desponta
E traça em mutações ou noutro infando
Desejo o meu cenário se formando
À parte do momento nada conta.
Represo em tal barragem o meu sonho
E quando novamente recomponho
No filho ou mesmo até no neto ou mais,
Esboço a própria vida em tom etéreo,
E quando se presume sem critério,
Mistério se transcorre em divinais.
89
O manto mais excelso onde desnudo
À sombra de frondosas alamedas
E nesta cena então tanto concedas
Enquanto o passo dado é tão miúdo
Resumo o meu delírio e sei; contudo,
Que tanto quanto posso me enveredas
Ousando condenar ou logo cedas
Vestindo a fantasia onde me iludo,
Idólatra; talvez, mas sou sincero
E quando a solução teimando espero
Arcando com enganos condizentes
Expresso em tom suave ou mesmo atroz
Hedônico e mortiço tento em nós
Viver o que jamais tu ousas; sentes.
90
Sepultas dentro em ti o meu demônio
E bebes da satânica figura
Herdada como tal caricatura
Gerando às vezes torpe pandemônio,
E tanto quanto aumenta o patrimônio
A sorte desta vaga criatura
Deveras a riqueza que assegura
A quem destes milagres é campônio.
Mecônio desta herética mortalha
Enquadra a realidade e logo espalha
Arcando com engodos tanto após
Empalideço enquanto tento o mote
Diverso deste quando se denote
Arcaico delirar em tosca voz.
91
Ao dar vazão às tantas aflições
Em tons diversos bebo do abandono
E quanto mais audaz me desabono
Maiores os terrores onde expões
A face caricata de aldeões
Reduzem meu caminho e nada adono
Senão os meus delírios e ressono
Ouvindo ao longe os berros dos leões
Aspirjo dentro em mim os ledos ermos
E sei da divergência destes termos
Historiando a vida em tons cobardes,
Assim ao menos sei que enfim retardes
O passo muitas vezes mais cruel
Tomando em vil negrejo o vasto véu.
92
A sorte a cada espaço; vigiá-la
Permite esta permuta aonde um dia
O amor em nova luz transformaria
O quanto desta voz se faz vassala,
Aonde o meu delírio me avassala
Respaldo noutro tom já não teria,
E bebo da sobeja fantasia
Enquanto o meu caminho é feito à bala;
Nas valas, nos esgotos, roedores
Destinos onde tanto quer e fores
Gestando o mais terrível desalento,
E quase se percebe este sarcasmo,
Tangenciando a vida e num espasmo
Futuro mais suave até que tento.
93
Desta ordem natural já não mais teço
Eclética vergôntea onde pudesse
Manter quem sabe mesmo esta benesse
Tentando preservar este endereço,
O verso não seria um adereço
É como uma oração, sobeja prece
E quando este caminho a vida esquece
Inevitavelmente um vão tropeço;
Espalho no arrebol a voz de quem
Resvala no tão pouco que inda tem
E tenta nova face em mutação,
Herdando este semblante sonhador,
Tateio na procura de um louvor
Ao refletir após; à geração.
94
Se o canto muitas vezes faço hermético
Expresso com a voz de quem procura
A solução fugaz e se afigura
O mesmo desenhar que é tão eclético,
O tom aonde o mundo é mais poético
Gestando em si a própria criatura
Eclode noutro canto e se assegura
Caminho tantas vezes quase cético.
Amor grande cetáceo soberano,
Entre as diversas luzes gera além
O todo quanto pode e mais convém
Traçando a maravilha em torpe pano,
Da gênese da vida ao sentimento
Ditame mais sublime onde me atento.
95
Ao tanto quanto posso e desfaleço
Ousando ser fiel aos meus caminhos
Por vezes tantas dores são espinhos
E deles cada tom eu reconheço,
Não quero ser apenas o adereço
Expondo os meus cenários mais daninhos,
Mas bebo deste encanto, raros vinhos
E neles faço a sorte em que me esqueço.
À mesquinhez exposto quando quero
Um tom harmonioso ou menos fero
Enorme contra-senso se apresenta
O mundo desvendando um novo código
E tento ainda assim manter-me pródigo
Embora ao meu redor, face sangrenta.
96
Um númen tão somente, um raro totem
Aonde mergulhara a fantasia
O amor noutro cinzel não bastaria
Não tendo mais palavras que o denotem,
E quando os sentimentos tantos notem
Percebas quão sutil se tornaria
A vida em tom mais claro e não sombria,
São cores que no gládio não derrotem.
E teimo contra a fúria das marés
Até por ser amor quem sei e se és
Deidade sem igual sílfide rara
Edênica figura transformante
Afrodisíaca luz já se escancara
E toma tudo agora e doravante.
97
Enastro-me nos sonhos quando os tem
E bebo cada gole e sem fastio,
O infausto desta vida eu desafio
Embora de ti siga muito aquém
O todo tantas vezes diz desdém
E traz somente a dor em duro estio
E quando em fantasias me inebrio
Extasiado sonho isto contém,
Enlaço os meus caminhos junto aos teus
E sei quanto é difícil um ledo adeus
Por isto é que jamais de ti me afasto,
À cântaros minha alma se derrama
E torna mais audaz a forte chama
Do sonho mais sutil profano e casto.
98
Na cúpida beleza em majestade
A lua se desnuda argêntea e imensa
No amor que tantas vezes nos compensa
A voz gera diversa claridade
E quando este cenário, o canto invade
A vida não e faz decerto tensa,
E toda a sutileza em recompensa
Impede a queda enquanto nos agrade.
Deixando no passado o tão somente
Delírio aonde a vida impertinente
Expõe a garatuja mais cruel,
Desnudo-te soberba deusa quando
Viola sertaneja ponteando
Deslinda alabastrino e raro véu.
99
Aonde não se faz a sorte inusitada
Meu verso te procura e nada mais desvenda
O amor quando é demais além da própria lenda
Expressa em tom suave a imensa e bela estrada
Pudesse adivinhar a cada caminhada
Cenário aonde a lua expressa e sem contenda
Além do próprio céu numa alma já se estenda
Reinando soberana além da madrugada,
Explodem dentro em mim supernas maravilhas
E nelas tento ver o quanto em sonhos trilhas
Simbolizando a vida o amor sem paralelo,
Assim ao me entregar sem ter qualquer vergonha
No fato e pelo tanto enquanto o canto exponha
Desnudo esta beleza enquanto paz; revelo.
100
Num ar sutil aonde já não temo
Sequer a desventura mais profana
A sorte na verdade não me engana
E tento quando em ti amor; algemo.
Reflito esta emoção e tento o remo
Atravessando o pântano não dana
Minha alma em lamaçal que desengana
E visto a fantasia e afasto o demo,
Cerzindo em paz o quanto ainda gesta
A vida na alegria e não funesta
Erguendo sobre bases mais fecundas,
E quando mais além do próprio encanto
O sonho junto a ti eu agiganto
De amores e de messes tu me inundas.
MARCOS LOURES FILHO