Textos : 

a orelha esquerda do homem.

 


. façam de conta que eu não estive cá .







conheci ontem um homem que escreve com a orelha esquerda. desde pequeno. tem nome de rua estreita, não me recordo agora ao certo qual. sei apenas que inclina ligeiramente a cabeça para o lado esquerdo enquanto a mão direita segura o papel e escreve poemas com o corpo pendente. ontem disse-lhe que achava que com o lado esquerdo inclinado o coração fica mais pesado. deve doer. disse-me que nada lhe dói enquanto escreve, só depois. quando se sabe só. que a escrita o acompanha como uma nuvem de verão que traz a melancolia dos dias de chuva. porque nunca estamos bem com o tempo. eu quis chorar. pela razão das palavras ditas com metade da boca maior, com a carne da bochecha esquerda pesada. olhei-o apenas como se soubesse o que acontecia à nuvem de verão. contou-me que desaparece quando o corpo procura a água.






 
Autor
Margarete
Autor
 
Texto
Data
Leituras
1693
Favoritos
1
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
17 pontos
9
0
1
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 19/07/2010 10:16  Atualizado: 19/07/2010 10:16
 Re: a orelha esquerda do homem.
Dos muitos, e bons, textos que te tenho lido, este é dos melhores.


Enviado por Tópico
sampaiorego
Publicado: 19/07/2010 10:26  Atualizado: 19/07/2010 10:29
Membro de honra
Usuário desde: 31/03/2010
Localidade: algures virado para o mar com gaivotas
Mensagens: 1147
 Re: a orelha esquerda do homem.
vou-te enviar uma nuvem que ainda agora passou por aqui. nunca te disse mas sabes que eu falo com elas. são feitas de sonhos perdidos de gente como nós. gente que quer apenas um abraço para poder escrever todas as palavras que um dia serão saber – um dia. uma nuvem que tinha acabado de nascer disse-me que não sabia ainda andar – ia a gatinhar. mas um dia ia ser capaz de fazer uma tempestade com faíscas e trovões – depois em segredo confessou-me que foi santa bárbara que lhe prometeu. em troca teria de lhe dar de duas velas em cera igual ao seu peso – eu já ofereci uma mão e um braço muito grande – quero abraçar todas as palavras que necessitam de mim.

beijo mar

sampaio(r)ego

Enviado por Tópico
agniceu
Publicado: 19/07/2010 10:56  Atualizado: 19/07/2010 10:56
Colaborador
Usuário desde: 08/07/2010
Localidade:
Mensagens: 665
 Re: a orelha esquerda do homem.
Profundamente tocante, repleto de suavidade e beleza … concordo plenamente com o amigo Torre o melhore texto que eu já li aqui no Luso…

Parabéns, existe pureza inocente na sua escrita, talvez seja Deus chorando em si…

Um abraço

Enviado por Tópico
Margarete
Publicado: 19/07/2010 11:03  Atualizado: 19/07/2010 11:03
Colaborador
Usuário desde: 10/02/2007
Localidade: braga.
Mensagens: 1199
 orelhudo.
só fala de orelhas quem é orelhudo. diz o povo.

Enviado por Tópico
cromeleque
Publicado: 19/07/2010 11:13  Atualizado: 19/07/2010 11:13
Da casa!
Usuário desde: 13/07/2010
Localidade:
Mensagens: 269
 Re: a orelha esquerda do homem. / Margarete
segundo reza a história, ou a lenda, já o van gogh cortou a orelha esquerda como sinal de penitência.

cumprimentos

Enviado por Tópico
Alexis
Publicado: 19/07/2010 13:18  Atualizado: 19/07/2010 13:18
Colaborador
Usuário desde: 29/10/2008
Localidade: guimarães
Mensagens: 7238
 Re: a orelha esquerda do homem. para mar
água.é o que eu encontro por aqui.água que bebo,pura.inunda-me o corpo de emoção.

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 19/07/2010 15:08  Atualizado: 19/07/2010 15:08
 Re: a orelha esquerda do homem.
Um texto ao teu estilo e arte.
Parabéns amiga.

Enviado por Tópico
aurelia.coutinho
Publicado: 19/07/2010 19:19  Atualizado: 19/07/2010 19:19
Muito Participativo
Usuário desde: 14/07/2010
Localidade:
Mensagens: 69
 Re: a orelha esquerda do homem.
Sei de quem falas, esse senhor tinha uma maquineta de amolar facas e costumava vir para os lados da casa dos meus pais. Eu juntava todas as facas da vizinhança, as boas e as necessitadas e passava o dia inteiro ao lado e ouvi-lo falar dos poemas que ele sonhava gerar no ventre das palavras. Não o vejo há anos.Foi bom saber dele.

Beijo.