Prosas Poéticas : 

Cristaleira

 
Tags:  saudades  
 
Tinha quatro portas de vidro sempre muito limpas. Ébano entalhado,revestida por espelhos que refletiam e duplicavam a vasta coleção de xícaras de porcelana ricamente ornadas,pequenas flores,diminutas figuras,filetes em ouro. Licoreiras,copos e copinhos,taças de várias formas,cores e tamanhos e um mundo de bibelôs.
Fascinava-me a cristaleira. Território proibido. Tudo nela reluzia,
cintilava. Gosto de brilho. Não do metálico brilho do ouro ou da prata mas do translúcido brilho dos cristais. Algo semelhante à água que é,para mim,o mais sensual dos elementos.
Proibido ou não,houve o dia em que,sorrateiramente,abri uma das portas.Finalmente. Maria Júlia,em sua namoradeira,fazia o seu crochê.
Observava sem olhar.
Comecei pelas xícaras mas logo passei aos bibelôs. Enfileirava-os
sobre a mesa.Explorei o território proibido sem pressa e deixei o melhor para o final. As taças cristalinas em bico de jaca,lindas! Instintivamente as punha contra a luz que entrava pela janela e me deliciava com as cores difusas por seus pequenos prismas. A sensação ao tocá-las era também de puro deleite,eram frias,frescas,pesadas.
No canto da base da cristaleira,no entanto,havia um elemento estranho a todos os outros. Uma concha. Grande e bonita. Peguei-a
com cuidado. Observei seus detalhes,cores e curvas. Linda.
Maria Júlia sorriu - põe ao teu ouvido - disse-me.
Mas...é o mar??? Como pode? É o mar!!
Olhou-me por cima dos óculos com deliciosa malícia - o mar todo
está aí dentro,rapariga.Ouve!
Quando meus olhos brilharam mais do que os cristais,Maria Júlia morreu de rir enquanto crochetava - sonha minha neta,sonha...

 
Autor
KássiaReis
 
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