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resistência – até quando. até quando

 


não tirem o vento às gaivotas - sampaio rego sou eu


hoje acordei com duas árvores amarradas aos olhos – tinha sonhado com uma floresta de borboletas. com várias cores e formatos. e todas batiam as asas sem parar – eram aos milhares. umas para lá. outras para cá. mas nenhuma deixava de bater as asas – vivem pouco tempo e cada bater de asas. é um sopro do outro lado do mundo – o tempo. é uma invenção do homem. que acabou por apanhar as borboletas – voam sem direcção como se o mundo não tivesse fim – saí dos meus olhos. amarrei-me às árvores que me pareciam tocar o céu. e trepei sem parar – parei no topo. sentei-me num galho construído pela minha imaginação – era assim – como uma cadeira sem costas. pobre. feita de uma madeira velha e com os sons de todos aqueles que um dia falaram para mim – olhei. levei as mãos a uma nuvem que por ali passava. e me lembrou o algodão doce que um dia o meu pai me deu numa festa de uma santa que me prometeu proteger-me – nunca a vi. também havia tantos meninos mais tristes do que eu! uns. não tinham algodão doce. outros. não tinham nem pai nem mãe – talvez por isso a santa não tenha reparado em mim – olhei para baixo que por sinal era já ali. afinal. apenas a minha imaginação tinha concebido que um dia tive uma árvore que tocou o céu – deixei cair as mãos. cortei-as. tive medo de me matar e estas. de vez em quando ficam tão magoadas comigo – se calhar têm razão. nunca fizeram nada de jeito! a ambição inchou-as. e acabaram por cair de gangrena. depois cortei os pés – estou farto de fugir. tenho a planta dos pés gastas – em tempos tive uns sapatos de cordão. eram pretos. com o tempo ficaram castanhos-claros. o pó da terra que pisei entranhou-se dentro do couro. os anos passaram e o pó que os pés levantaram capturou a pele do meu corpo – hoje queria morrer. quero morrer. tenho um machado que amolei nas memórias do passado. vou cortar as árvores e fazer da minha vida uma fogueira para náufragos – vivo na costa da morte. aqui. morre-se mais vezes de que em outro lado qualquer.
 
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sampaiorego
 
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Enviado por Tópico
Runa
Publicado: 12/07/2010 21:18  Atualizado: 12/07/2010 21:18
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Usuário desde: 24/04/2010
Localidade: Santo Antonio Cavaleiros
Mensagens: 1174
 Re: resistência – até quando. até quando
O que vale é renascemos sempre, após cada morte. Eu, agora, também estou prestes a morrer. E só vou renascer amanhã, quando o relógio me cortar as asas...

Abraço


Enviado por Tópico
Margarete
Publicado: 12/07/2010 21:18  Atualizado: 12/07/2010 21:18
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Usuário desde: 10/02/2007
Localidade: braga.
Mensagens: 1199
 até sempre. ao s.
malditas borboletas. malditas florestas. maldito coração. maldito silêncio. malditas costas voltadas. maldito dar de mãos. maldita morte e morte sempre. morrer.
tu percebes de morrer. sabes morrer. tu. comigo. como eu. malditos nós.

bom dia,
mar.


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 12/07/2010 21:35  Atualizado: 12/07/2010 21:35
 Re: resistência – até quando. até quando
Mesmo sem te dizer gosto sempre de te ler!
Podes continuar a morrer assim!
abraço
nuno


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 12/07/2010 22:28  Atualizado: 12/07/2010 22:41
 Re: resistência – até quando. até quando
Leio o que escreve.este ficou muito bom.
abraços

Morro lentamente. mata-me o vazio de beijos com suas mandíbulas presas a eternidade
Mata-me a sombra cheia de mãos, cheias de taças cheias de caricias mortas
Matam-me mil mentiras que entram pelas vias respiratórias causando-me falta de vida
Morte demais.