Capítulo III
Reencontro
- Como todas as pessoas tenho sonhos, uns possíveis, outros impossíveis. Esta amizade com Célia, tem sido muito produtiva, Célia gosta de falar sobre o seu passado, sente um certo alívio poder falar dele a alguém. Embora seja uma história comum, seu relato é rico, admiro da forma que ainda tem na memória suas vivências. De alguma forma, ou por destino, ou porque nós fazemos o destino, há situações que se repetem ao longo dos anos…por vezes se interroga, (confessa), porque? – Aí vem a célebre e exacta resposta: - Só Deus sabe.
Há pouco falava de sonhos; ouso sonhar que poderei um dia publicar os “Fragmentos do Tempo “ de Célia; Por enquanto se encontra em estado de graça, ou seja, em plena gestação… ainda levará algum tempo até que este filho primogénito nasça.
- Toldava-lhe o olhar uma leve sensação aprazível de bem-estar, esboçava um sorriso interior enquanto as mãos se lhe acenavam um adeus, tipo …”Até breve” Célia, em sua recíproca aparente, sabia que não era “até breve” prometera a si mesmo, tão cedo não voltaria, pelo menos para aquela aldeia onde as recordações não a motivavam, Portugal tinha cidades lindas, poderia escolher qual delas.
Enquanto o táxi que a levaria até ao aeroporto… (destino…Rio de Janeiro) seguia a lenta velocidade, para que os olhares no exterior e o aceno das mãos saboreassem aquela despedida. Célia levava consigo, ainda aquela revolta de dias menos felizes. Claro é, que com o passar do tempo tais sensações foram se dissolvendo, tal como ondas espraiadas na areia, hoje, são apenas recordações.
- Bem vivos na memória de Célia, estão factos que marcaram a década de sessenta, mais precisamente o ano de 1961, quando finalmente se iria reencontrar com seus pais.
Desta vez, em terras do Brasil.
“Celestino e Helena, recém-casados tinham como destino Rio de Janeiro, conseguiram carta de chamada e foram em busca de um futuro melhor e sem guerra.”
Foram acompanhantes de Célia naquela viajem até a cidade maravilhosa uma vez que só tinha 12 anos.
- Em Portugal viviam-se momentos de angústia, o destino das colónias portuguesas iria tomar novos rumos, marcados pelo conflito designado por Guerra Colonial, confrontos que tiveram inicio naquele ano (1961) e se prolongaram até 1974, tendo terminado na então revolução dos cravos, em 25 de Abril desse Ano.
- Também, recorda Célia, nesse ano de 1961 outro facto marcou sua memória… Henrique Galvão, capitão do exército, explorador-naturalista, e escritor português, numa tentativa contra o regime de Salazar, organizou um assalto ao navio, paquete “ Santa Maria “ onde depois de algumas manobras, conseguiu asilo político em Recife (Brasil) onde foi aceite, e ao que consta, teria ficado lá para sempre. Para Célia, numa época onde tudo era certinho, aquele acontecimento, teve uma dimensão surrealista, era como se de um filme se tratasse.
Bem, esses factos aliados a partida de Célia para o mesmo país (Brasil, onde Galvão se encontrava exilado) tiveram uma repercussão especial em sua vida, tendo durante o voo, aproveitado para ler artigos sobre o assunto tão recente, em revistas ofertadas a bordo. Célia gostava de ler, e as actualidades lhe despertavam a atenção, de tal forma marcantes que até aos dias de hoje, se mantêm presentes em sua memória.
- Embora, pareçam distantes, estes factos estão também presentes em minha memória; agora relembrados nas conversas com Célia; a distância que marcou estes acontecimentos, estão próximos, através da poesia podemos vivenciá-los, hoje, sem tempo, apenas num fragmento.
Partiste para a Guerra
Partiste para a guerra do nada
Deixaste um amor e teus pais
Tua alma triste e debilitada
Enfraquecida de tantos sinais
Mutilaram-te, o corpo e a mente,
Impotente, tu nada podes fazer,
Cumprir ordens rigorosamente…
Marchar, marchar, é o teu dever
No teu poema, uma estrofe falaz
Onde a esperança respira e um dia,
Num choro convulso de alegria
Abraçarás, aquele amor ardente
Por quem afugentas-te a morte
E veemente, crias-te a própria sorte
Cecília Rodrigues
- Finalmente o avião está chegando ao aeroporto do Rio de Janeiro, - senhoras e senhores, dentro de instantes estaremos aterrando no aeroporto do Galeão – (ouviu-se a voz do comissário ) estamos em Dezembro de 1961 exactamente no dia 7. A emoção toma conta de Célia, depois de três longos anos, iria reunir-se à restante família. Seu irmão Rolando, já se encontrava junto de seus pais, só faltava ela para tudo ficar completo. Entre abraços e choros, o solo que pisava … parecia estar vivenciando um sonho. Era realmente um sonho, mas bem real.
Cecília Rodrigues