Deixaram sobre a mesa um pão
meio branco, meio queimado,
beliscado em cima e aberto
como umas migalhas de nácar.
Parece-me desconhecido
Quando sempre me alimentou.
Alheia, porém, à substância,
esqueci esse tato e odor.
Tem o aroma de minha mãe
quando amamentava, o dos vales
chilenos que andei, o de minhas
próprias entranhas quando canto.
Não há na estância outros odores
por isso êle assim me chamou.
Não há ninguém mais em casa
senão este pão sobre um prato:
com seu corpo me reconhece,
com meus sentidos, reconheço-o.
Na infância, eu me recordo, tinha
forma de sol, de peixe de halo;
e no seu miolo eu sentia
calor de avezinha emplumada.
depois o esqueci até que hoje
finalmente nos encontramos,
eu com meu corpo de Sara velha,
êle com o de seu de cinco anos.
Amigos mortos com que o comia
noutros vales, sintam auras
de um pão em setembro moído
e que em Castilla foi cegado.
É outro e é o mesmo que comemos
enterras onde repousaram.
No pão ficou-lhes o calor,
paira em torno dele seu hálito
Com abundância a mim se entrega
Olhos e mãos na minha mão
Brota-me um pranto arrependido
por esse esqucimento de anos.
Talvez envelheça meu rosto,
Talvez renasça – nesse encontro.
Como se acha a casa vazia,
fiquemos juntos os reencontrados;
sobre esta mesa sem carne ou fruta,
os dois neste silêncio humano
até que sejamos um só
e o nosso dia se acabe.
Gabriela Mistral, poeta chilena.