Contos : 

Leão

 
- Oi, posso te perguntar uma coisa? Era cerca de onze e meia da noite quando o sujeito apareceu totalmente confuso e estranho na frente do homem. O homem teve que olha-lo de cima à baixo, tomou um susto, ainda no dia anterior houveram varios assaltos naquela zona. Mas o sujeito não aparentava ser do tipo que assalta, o homem era um destes seres deterministas que afirmava categoricamente não ser um pessimista, apenas um realista. - Claro. - Hããã, deixe-me pensar. O homem ficou confuso, como se não esperasse essa resposta, mas afinal, que tipo de resposta se espera de alguem as onze e meia da noite, uma noite quente opressora, uma certa gagueira vem a sua boca enquanto ele procura as palavras certas. O que perguntar? - Como é o nome desta avenida aqui? - Beijamin Constant. O homem responde sem pensar, uma resposta automática, até para se livrar do maluco que salta do além para perguntar nomes de ruas. Não era isso que ele queria perguntar, este é o pensamento na cabeça do homem. Que figura mais confusa. - Obrigado. O sujeito vai embora, levando sua pasta nas mãos, ele tinha uma pasta. Estranho como um momento pode mudar a vida de pessoas para sempre, estranho? O que o sujeito iria perguntar? Nada, na verdade ele queria um pretexto, um pretexto para atrasar o homem, salva-lo de algo. Ele se foi. No caminho para casa, já eram onze e meia afinal, muitos pensamentos perpassaram a cabeça do homem, primeiro passando as características fisícas do sujeito - quanta coisa se passou em um diálogo de alguns segundos - Estarei ficando louco? - Olha para trás, ainda vê o homem sumindo entre a penumbra da distância e da luz dos postes de Porto Alegre. Ele existiu mesmo. Deve ter uns vinte centimetros à menos que eu, então um pouco mais que um e setenta, magro muito mais magro que eu, que sou gordo, os oculos desajeitademente sobre o nariz fino e uma face inconfundivelmente brasileira, uma face diferente de qualquer outra. - Ele é tudo que não sou - Um homem de estatura mediana, magro, externamente inseguro mas internamente decidido, afinal abordou um estranho na rua e perguntou para ele o nome daquela avenida ali. Mesmo que tremendo até a alma. - Tudo o que não sou. Tira a chave do bolso passa por um conhecido na rua, as ruas estão inseguras até para ele que conhesse todos, até identificar quem era, um momento de medo e indecisão se atrevessar a rua ou infrentar o dieconhecido é o mais sensanto. Sensatez não era seu forte, enfrentou, um conhecido de boné rosa. Que o boné rosa entre para a história. A indecisão é a mãe do medo e tia do azar, abre o grande portão de ferro que dá para a porta interna do prédio, um destes prédios antigos da classe média de Porto Alegre, um prédio de esquina de frente para um posto de gasolina. A perimetral estava próxima. Liga o notebook, o brinquedo novo, abre o msn, ela não está on-line, tudo bem, não teria coragem de fazê-lo se estivesse, os olhos pesam e ardem de sono e ele escreve. - O que você sente quando olha para mim? Pergunto porque eu sinto sorrisos quando olho para você, o mundo é feito de perguntas e intenções. Ultimamente escrevo poesias pensando em você, sei que você tem namorado, mas é injusto. A cada encontro e despedida, uma indecisão ambigua na hora do beijo, você vira o rosto e eu beijo sua face rosada, tão quente, beijo e poderia forçar a trave de sua boca, mas não o faço. O filho da indecisão me segue. Temos que conversar, gosto de estar com você e não posso negar que és dona da minha cabeça. A perimetral estava próxima, e a noite engole um quarto de paredes azuis, com o sono dominando uma família inteira. Outro onibus passa, a cena de menos de vinte minutos atrás ainda está presa na memória, tantas coisas para perguntar a um transeunte, por que não perguntou? Poderia ter perguntado qualquer coisa, ele responderia, mas, Beijamin Constant. O ódio se apodera de cada veia de seu ser - INFERNO - passa outro onibus, poderia se atirar na frente ou se aterrar numa montanha de garrafas de alcool sujas, nada poderia detê-lo estava decidido, iria morrer, mas não como um tolo que se atira em frente a um ônibus qualquer, entraria para a história. Tinha dado o primeiro passo, Beijamin Constant, corta o braço esquerdo com uma faca e com o sangue escreve no plástico que cobre o cordão de ônibus da perimetral, Beijamin Constant, passa outro ônibus e seria o ultimo a passar naquela noite, o homem se joga, na frente de um seicentos e quatorze, no jornal de amanhã apareceria na manchete: "Homem morre em choque com leão na capital". Meu caro leitor ignorante, não seja tolo, eu não sou destes narradores oniscientes neutros, chatos e limitados de outras obras que poderá ter lido. Tão pouco sou um jornalista ou testemunha dos fatos que narro, sou um morto, um desses espiritos perambulantes, uma dessas almas inquetas que não quizeram nem ir para o céu, nem para o inferno, tão pouco reencarnar em outro pedaço de carne qualquer. Sou muito mais que isso, sou um cientista e como tal minha obra não poderia acabar com minha vida, ela tinha que se estender, analiso e me divirto com os vivos, que mal sabem, não são mais vivos, pois sobrevivem apenas. Sou seletivo, cuidadoso, como só um cientista pode ser. Voltemos, vinte anos no tempo, o sujeito era um pequeno garoto, nascido sem pai, filho de uma mãe que agia como sua irmã, neto de uma avó que achava ser sua mãe, é nesta familia que ele nasce. Ele cresce sob todos os mimos que um filho de mulheres sem homens podem dar para o homem sob sua resguarda. Ele cresce, aparecem problemas de visão, agora usa um pequeno óculos de fundo de garrafa, o que lhe rendo o apelido de bizoio. Nosso amigo era um produto do meio, ele precisava deixar sua marca na eternidade, não tinha vida, era apenas uma sombra, quando o homem ler o jornal, toda a vida do sujeito vai entrar boca a dentro do homem e terá valido a pena viver e entrar pra eternidade.
 
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pmatiass
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