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Evento Horizonte

 
Noite tranquila, esclarecida pela lua cheia assemelhada no relógio ao zero que multiplica o tempo presente à velocidade da luz, daquela que se aproxima como um astro morto, os espólios de uma bomba de hidrogénio controlada pela força da gravidade que tanto implodiu que finalmente explodiu a milhares de anos-luz. O Pensamento tinha-se perdido no infinito enquanto dobrava o tempo ignorando o espaço envolvente, então a Vontade fardada de agente da autoridade fê-lo parar como se o quisesse multar por excesso de velocidade, por ignorar os sinais vermelhos e os sentidos proibidos.
Ouve-se a anunciação da partida do comboio, nos entre-fonemas para ouvidos subtis ecoa a voz enfadada e extenuada que procura desesperadamente um ritmo. O comboio impaciente não aguarda pela minha presença e quase me deixa em terra, já nos bancos indaguei se a minha ausência nesta viajem iria afectar de alguma forma o trajecto do transporte público que se move por carris, como duas rectas paralelas que nunca se cruzam mas que no infinito dariam lugar a dois círculos. Pensamento circular, e novamente intervém a Volição com as suas luzes e sirenes psicadélicas – Circular eternamente numa rotunda, num eterno retorno, é ridículo e angustiante, faça o favor a si mesmo de prosseguir a sua marcha – diz imperativamente a policial.
O frio taciturno era abafado pelo temperamento do veículo e com as novas vidraças reflectoras não se consegue ver o exterior pelas janelas que como telas dão a apreciar a estética das artísticas paisagens, desde as naturais às artificiais. A luz ao fundo do túnel de fuga está vedada, aprisionado, entregue àqueles rostos carrascos directa e indirectamente, não consigo ver nada neles, não discirno nada nos seus traços faciais, não sei se serão humanos, mas se não então o que serão? O nada, sim o nada já é alguma coisa, talvez seja nele que deva encontrar o que procuro para os compreender. Para não cometer uma injustiça não me posso esquecer de ter em consideração a parcela histérica, estes que parecem querer publicar as suas ideias, impossível não escutar as suas verborreias, relatam as suas vidas e as alheias, diarreias mentais, pensando bem é mesmo no nada que devo encontrar as minhas respostas.
Entretanto, chega o revisor automatizado para verificar se os passageiros estão a viajar legalmente, caso contrário ou saem na próxima paragem ou terão de indemnizar pela sua falta. Não antes da minha estação de saída pela qual estava sequiosamente ansioso, na tentativa fútil de visar mais uma vez o exterior aproximando-me do espelho e auxiliando os olhos com as mãos que também vêem, deparei-me numa primeira instância com uma face, atemorizou-me o facto de se parecer com as pretéritas faces vazias que se drenavam no vácuo, talvez por ser a minha. Isto quando, subitamente, fui absorvido involuntariamente pela infinitude, vi infinitas cópias de mim que olhavam tal como eu uma infinidade de janelas e de eu’s, a distância de cada eu aumentava proporcionalmente ao vazio e a ausência de vida reflectida, até que pareciam ser outros que não eu.
A detective Curiosidade, ávida por descobrir o mistério deste crime paranormal, se assassínio em série, magia negra ou suicido em massa, foi seguindo as pistas até um beco sem saída onde terminavam as pegadas que pareciam continuar, mas como? O caso foi arquivado na secção da Memória pela Vontade que não tinha tempo para perder com tais problemas insolúveis, não obstante, a agência da Inteligência que se julga omnipotente jamais deixará de ter reminiscências da ocorrência.
Saíra por fim do inóspito agregado de carruagens que desenham sempre o mesmo caminho traçado a priori como falsificadores de obras de arte. Dirigi-me para o meu carro. Conduzir, que diferença exponencialmente assombrosa! Que liberdade de movimentos! Limitados porém, a flexibilidade não é total, os membros ainda revelam entorpecimento. De qualquer forma era o suficiente para me levar para a familiaridade da minha casa, aquela montanha de pedras organizada, que me protege das atrocidades de Deus, do seu temperamento bipolar, ou gélido ou fervoroso, de quando precisa de urinar, quando deixa a caspa cair, quando tosse, entre outras necessidades básicas menores. Antes isso, do que quando Ele se arma em cientista maluco e faz experimentos de cataclismos em todas acepções da palavra.
Depois desta meditação mais infantil do que inocente, uma questão impertinente saiu da instituição prisional do Inconsciente em liberdade condicional, de nome, Que Moral Tem Um Deus Que Mata Toda A Gente Para Mandar As Suas Vítimas Não Se Matarem? Como é previsível não durou muito cá fora, tudo terminou quando procurava emprego numa paróquia, onde a servil Fé eclesiástica a cegou discriminadamente pela sua semântica racial, foi adicionalmente alvo de calunias, insultos emanados que foram desde pergunta até retórica, se já é extremamente doloroso reduzir uma questão a afirmação então imagine-se a desonra que é tratá-la como uma filisteia, uma simples pergunta! Chegaram mesmo a dizer que era vendida por gerar controvérsia. Esta língua já não era para ela, tornou-se nominalista e agora preferia ficar na prisão, mesmo na solitária, aguardando o dia da sua execução, o repouso eterno numa língua morta.
Sem me dar conta já estava à porta de casa, indaguei se seria este o lugar para onde eu deveria voltar, o local onde alguém me espera, os que pensam em mim e sentem por mim. E se eu penso em quem pensa em mim e sinto por quem sente por mim mas não penso nem sinto da mesma forma que eles sobre tudo o resto? E onde está quem pense em mim, sinta por mim e que pense e sinta como eu? Como o encontrar, se já é difícil saber o que penso e o que sinto? E o que sou? Sei que sou múltiplo mas finito, então esse alguém terá alguns dos meus eu’s? Quantos serão necessários? Todos não poderão ser, é impossível e seria uma cópia, qual será o ideal? Desta vez foi a Inteligência vestida a rigor com o seu smoking que entravou o raciocínio desviante que a Vontade perseguia, tendo como base os depoimentos da senhora Esperança, do seu marido Instinto Animal e dos seus filhos, o Amor, o Desejo e a Reprodução, por outras palavras, a família dos Incorrigíveis. Alegava pois que os testemunhos eram falsos, inventados para desviar a atenção da Angústia e do Medo, uma versão da Bonnie e do Clyde.

 
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semnome
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Enviado por Tópico
Inspiração_Estelar
Publicado: 13/07/2010 18:21  Atualizado: 13/07/2010 18:21
Da casa!
Usuário desde: 14/05/2010
Localidade: Portugal
Mensagens: 330
 Re: Evento Horizonte
Gostei muito do texto, semnome!
"Personagens" envolventes, texto bem elaborado e cativante.
Continua assim!

Beijinhos

Inspiração