A agonia do Velha parecia interminável. Perguntava pelo Fernando Pessoa «onde estás Fernando? Ah, estás aqui. Estás parecido com uma fotografia que vem num livro, mas muito mais real. Tens meias brancas. Sempre achei que gostavas de meias tintas. Não sobra tempo para escrever. Passo a vida a viver e a sonhar. Talvez um dia me canse de viver e de sonhar e me entretenha a escrever. A escrever-te e a escrever-me. Se não morrer. Se no fim do sonho não estiver a morte». Dizia estas palavras num ritmo irregular e numa sequência algo obscura, aparentemente desconexas, mas ao reduzir a gravação a escrito, foi possível estabelecer, sem margem para dúvidas, a letra e o teor das últimas palavras que o Velha proferiu ainda em vida, como se já estivesse para lá de uma fronteira e o eco que se ouvia fosse numa língua tão desconhecida como o outro mundo.