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dessas pessoas.

 


. façam de conta que eu não estive cá .








dessas pessoas sobra apenas o impulso, o primeiro impacto, a primeira vista. quando as olhamos mais fundo só o vazio. a mente que mente à entrada do coração, sempre. julguei tê-las visto de outra forma, já há algum tempo que as procurava no deserto, reconheci-lhes as feições de madrugada, sentadas na margem, as caras à pesca de alguma coisa viva. não encontraram outra coisa senão morte e nem os peixes souberam contar-lhes de no fundo o rio ser comestível. trocaram as direcções, fingiram sentidos, agora não há bússola que as detenha, estão desnorteadas. o corpo pesado pela falta de lugares. dessas pessoas julguei não saber nada até que uma se chegou a mim, de madrugada, com o corpo crispado de frio, disse-me que estava à procura de um canto onde pernoitar, indiquei-lhe o meu ombro. acomodou-se e adormeceu. por incrível que parece não lhe ouvi nenhum barulho, ficou ali noite adentro, a cara tapada pelos cabelos, mãos enterradas nas costas, como um abraço que se dá deveras. quis dizer-lhe certas coisas, como se pesca coisas vivas, onde estão as coisas vivas, porque fogem as coisas vivas, mas deixei-a dormir, deixei-a ficar no meu ombro. dormiu durante dias e nem a imprecisão dos meus movimentos a acordou, levei o corpo ao deserto queria mostrar-lhe como se chora no mundo. ficava perto do rio o deserto, na superfície da cara dessas pessoas, e nunca haviam dado com ele. ao acordar um raio de sol queimou-lhe a pele das mãos, sofreu um bocadinho, olhou-me depois como quem nunca soube o que era doer-lhe, esperei que falasse mas nenhuma palavra da boca lhe saiu enquanto o deserto lhe aumentava, gradualmente, no peito. porque o deserto é essa flor que cresce para o chão, e cresce tanto e tão depressa que a certa altura não vemos outra coisa senão areia e sol, a água ali tão perto, a cara ali tão perto e nós continuamente sós. soube então como chora o mundo e chorou com ele, eu fui pelo deserto adentro sem deixar rasto, a certa altura desapareci engolida pelo pó. nunca mais soube dessas pessoas que de madrugada costumavam ir à pesca de coisas vivas. nunca mais vi dessas caras por aqui.








 
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Margarete
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Enviado por Tópico
Norberto Lopes
Publicado: 29/06/2010 10:02  Atualizado: 29/06/2010 10:02
Membro de honra
Usuário desde: 15/03/2008
Localidade: Lisboa
Mensagens: 896
 Re: dessas pessoas.
«...enquanto o deserto lhe aumentava, gradualmente, no peito...»

L I N D O!...

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 29/06/2010 11:08  Atualizado: 29/06/2010 11:08
 Re: dessas pessoas.
OLa

Um texto comovente, uma mensagem forte, humana bela, um acumular de palavras flutuando no mar de quem as le, que as margens da vida esvaziem-se de rostos que tentem pescar algo porque existe sempre algo que nos toca na dor de alguem.....

Beijinhos

Enviado por Tópico
AnaMartins
Publicado: 29/06/2010 11:10  Atualizado: 29/06/2010 16:58
Colaborador
Usuário desde: 25/05/2009
Localidade: Porto
Mensagens: 2220
 Re: dessas pessoas.
Talvez as saibas já instintivamente distinguir no meio da aridez do deserto.

Beijo, Mar.

Enviado por Tópico
NAHCardoso
Publicado: 30/06/2010 01:15  Atualizado: 30/06/2010 01:15
Participativo
Usuário desde: 28/06/2010
Localidade: Lisboa
Mensagens: 25
 Re: dessas pessoas.
Gosto muitíssimo da tua forma directa e objectiva de fazer poesia. O mundo e as viagens interiores tal como são. Sinto isso sempre que leio um texto teu. É belo. As palavras doem.

Um beijo,

Nuno