Algumas situações marcam definitivamente tatuando-se na nossa memória. Diria que alguns objetos, simples, tornaram-se Ícones da infância. E algumas imagens viraram fotografias vivas no rememorar. Qual pinturas. Há long time ago, morei numa ilha, paradisíaca eu diria. Numa época que sequer energia elétrica havia. A casa cujos fundos ficavam para a praia era confortável, ampla, um quintal meio pomar, cheinho de árvores, frutas, um pedaço do meu universo infantil. De lá avistava a praia, as canoas ,os pescadores indo e vindo com suas redes,o burburinho quando elas chegavam abarrotadas de peixe,o mar que horas subia, noutras baixava. Enchia e vazava.
ÍCONES destaco alguns entre inúmeros: LAMPARINA na cozinha na hora do jantar, um pouco depois das dezoito horas, FAROL pendurado ao alto da parede bem fraquinho, que era apagado pelo pai assim que dormíamos. CANDEEIRO na mesa em muitas noites para estudar, A RÉGUA de minha mãe que me lambava as pernas se eu não acertasse todo o questionário de mil perguntas sobre o ponto do dia, a minha BICICLETA MONARK com a qual eu virava Salvaterra de cabeça para baixo, com hora certa para chegar em casa, as dezoito impreterivelmente tinha que chegar para tomar a benção dos pais e da vó. Isso era infalível. A BOIA feita de CASCA DE CÔCO seco para que eu aprendesse a nadar. ÍCONES.
PINTURAS são tantas, mas posso descrever algumas como os banhos de praia rotineiros junto com um rol de amiguinhas conduzidas e observadas pelo meu pai. Quando as chuvas levantavam quase todos os dias íamos à praia atrás de casa, no horário depois da aula para um mergulho rapidinho. Depois do jantar e sem energia, sob a luz das estrelas em volta do meu pai eu e um monte de crianças nos reuníamos e nessa hora ouvíamos histórias de assombração, era demais... Antes da seção “crendices”, brincávamos de roda, Cai no poço, cemitério e pira no entorno das casas, sob os olhares de nossos pais que colocavam as cadeiras na frente e ficavam tomando vento, proseando entre uma estrela cadente ou outra. De tanto que contávamos estrelas apontando ao céu, nasciam muitas verrugas nos nossos dedos. De bicicleta eu rodava praticamente o mundo todo. A pintura agora é o Farol da praia do Portinho aonde ia quando a maré baixava e tinha que voltar antes que enchesse para não ficar ilhada por lá. Puro perigo. Outra pintura é a rampa do Porto da Rua da Frente, onde descia de Bike em velocidade , é claro, e tantas vezes cheguei em pedaços (digo, mãos, joelhos em carne viva), pois precisava muita técnica para tal intento. O engraçado disto é que quando chegava em casa, minha mãe já sabia da proeza e me esperava muito aborrecida, ai imagina o resto né... curativo e peia.Ou vice-versa. Divertidíssimo. A vida, a rotina, o simples, o belo. Tudo. Havia um segundo paraíso particular onde me perdia chamado a pequena e simples biblioteca do Grupo Escolar Prof. Ademar Nunes de Vasconcelos. Penso que no que tange as Fábulas, li de tudo, sorvi tudo. Escolhia, retirava e levava para casa. Volumes e volumes, Fábulas dos Irmãos Grimm, toda a coleção de Monteiro Lobato “Sitio do Pica-pau Amarelo” (sem ilustrações), As mil e uma noites, Alices e mais Alices, no país das maravilhas, no reino do espelho, Contos e contos, e fazia isso já aos seis mais ou menos. De Belém, pela canoa quase que quinzenalmente vinham às coisas que meu avô aviava e mandava, para mim, livros de cruzadas, revistas, gibis diversos, novos e já lidos. Como adorava quando a canoa chegava. Cada item que meus tios e avós de Belém mandavam era apreciado. Literalmente. E as bonecas? Tinham muitas que minha vó de Salvaterra mandava buscar em Belém, em S. Paulo, uma mais linda que a outra e minha mãe mandava a nossa costureira fazer roupas graciosas para elas, do mesmo tecido que as minhas. A filha da costureira era a costureira das minhas bonecas. Puro capricho. Deitávamos cedo, acordávamos cedo, aproveitávamos o dia. E as frutas do quintal? E nos intensos dias de chuva, colocando na janela barquinhos de papel para vê-los descendo na força das águas. Tinha também as frondosas mangueiras na minha rua, todas bem no meio ao longo da rua e com o vento e a chuvarada formavam tapetes Amarelo-Manga as crianças correndo para pegar... E as Tanajuras? Saiam junto com a chuva e a molecada toda sai para caçá-las, e fazer fritadas das suas traseiras... Cenas pintadas com tintas verdes, amarelas, azuis... Das cores de cada dia... E a PINTURA dos bichos? No quintal tinha um grande galinheiro, o que atraia muitas Mucuras, meu pai fazia as armadilhas e elas eram pegas vivas, às vezes com a bolsinha cheia de mucurinhas. Muitas delas eu vi meu pai dar para os meninos da rua que iam preparar para comer.Dizem que a carne tenra parece de frango. E as cobras que meu pai matava, às vezes estavam enroladas na madeira do telhado da casa, e muitas transitavam pelo quintal. E os potes de água com uma rãzinha dentro? E as chaves da casa que joguei no poço, meu pai teve que descer lá para pegar. Uma PINTURA forte é a imagem das noites de junho, em volta das fogueiras, queimando Estrelinhas, Chuveiros, passando fogueira, fazendo adivinhações e aquelas deliciosas brincadeiras que dizem até a letra do nome de quem vamos casar. Além das competições: Pau-de-sebo, quebra-pote, corrida do saco, do ovo na colher e tantas mais...Tudo a luz de lua, estrelas. Em dias especiais o Boi ia dançar na frente de nossa casa, e em outros íamos todos ao Centro paroquial assistir a apresentação do magnífico “Rouxinol”. Ícones e Pinturas.
Agora me digam, sinceramente, o que disso hoje é vivenciado?O advento da tecnologia invadiu as praias, a internet invadiu a vida de cada um de nós. Por isso estou aqui a teclar, ao invés de escrever a escrita tradicional. Não é bem enquanto a internet não vem, mas enquanto ela não veio, e aquela época tão cheia de aventuras, não fez falta alguma. Está tudo eternizado na pintura viva da minha mente. Nada foi deletado. Tudo aconteceu enquanto a Internet não veio.