queria rasgar esse guardanapo sentado.beber os joelhos dobrados que ocultas por baixo da mesa redonda . quadrada.triangular.toda ângulos rectos presentes.passados e futuros em curvas (sempre).moldar. essa cadeira rígida de plasticina colorida.segurar-te nos pulsos.paralisar-te.sim tu,que te distrais em poses rígidas assimiladas.que te mexes,em aparência.é a ti que me dirijo. Tu, de pupílas acesas,circulares, brilhando,ausentes de ti.queria estender-te em toalhas brancas com pratos,talheres,vinagretes,conversas de circunstância e lábios que se mexem doentes.estranhos lábios que se mexem... doleeeentes. emitem sons,estragados.estropiados à nascença.queria. finalmente imobilizar-te,finalmente ver-te.olhar para ti.resgatar-te.e depois saborear.ouvir um pássaro cantar por ti adentro. a fazer-nos voar.levar-te por aí pela sala sem paredes.cortinas leves em mil janelas sopradas.sentir no ar os meus pés.em total claridade de nós...
mas a televisão incomoda-me.perturba-me o funcionamento discreto da loucura. a tensão latente.avança em ondas de luz eléctrica,energia estática,inunda-me a sala com interferências patéticas de uma pseudo-realidade que não escolhi e desliga-me todos os gestos mentais de liberdade.embacia-me todas as cores. reduz-me a amplitude a écrans planos vendidos como sendo não menos do que GRANDES.o chão pesa-me.a gravidade prende-me. condiciono-me. arrasto-me.levanto-me carregando o peso das correntes,das fichas,das tomadas.decidida a rapar todos os restos.a esvaziar a pia com água escaldante.a ouvir por fim a água a correr e um pássaro na pia a piar,baixinho.afogar-me com ele na espuma.
digo,por isso,tão só,em tom médio,nem alto,nem baixo,para não o perturbar:vou ao lixo.QUÊ? fala mais ALTO.não te ouço!..vou ao lixo.VOU AO LIXO,MERDA!vou ao lixo...
cruz mendes