Prosas Poéticas : 

Trás-os-Montes

 
Nas terras árduas do meu país estão estampadas na pedra de granito, os rostos de pele enrugada, queimada pelo sol que se faz tórrido.
Em Trás-os-Montes, os caminhos feitos pelos pés pesados e cansados dos que por ali diariamente passam, são um longo livro onde se escrevem histórias de vida que pela sua rudeza, faz de seus braços enraizados à terra -sentindo-lhe o cheiro -a razão da sua sobrevivência. Quando os camponeses ganham amor à terra, intimamente ligada às suas origens, nada os move e a ela, apaixonadamente, se deixam prender.
Nos dias dos meus passeios de fim-de-semana em direcção ao norte, em ocasiões que por felicidade minha escolho um lugar bem alto para obter melhor horizonte, observo as serras, planaltos e vales que se vestem de tapetes verdes, onde abundam pinheiros, eucaliptos, carvalhos e castanheiros. No vale, vejo estenderem-se os campos de milho; também na encosta que encara o sol, estou vendo as tracejadas e prolongadas vinhas, onde se esconde uma ribeira de água que se precipita rego abaixo, alegre e cristalina. Na aldeia, lá em baixo, adivinha-se que naquela extensão de terreno pulsa a vida, coberta por um céu azul a espelhar claridade; longe a longe, descobrem-se casas muradas a pedra de xisto e granito, onde se erguem nos telhados chaminés a expelir fumo oblíquo, como pequenos vulcões, numa tranquila melancolia de se estar a viver no sossego da pacatez. A montante, na ladeira que é um extenso sorriso dirigido para a luz do sol, a meus pés, descubro que o chão está coberto de ervas rasteiras, tapetes verdes que fazem a delícia dos rebanhos. O chocalho do gado que entoa nas encostas é de uma melodia cadenciada, dando tempo ao tempo, para que tudo calmamente aconteça e se produza.
É no vale da aldeia que se escuta a voz dos animais domésticos: o cacarejar, o mugir, o balir e o ladrar. Também é na forja, que se ouve o martelo do ferreiro, que aguça o ancinho, lamina a enxada e a foice para a lavoura dos camponeses.
No cultivo do milho, os bois e o burro, são uma preciosa ajuda para o homem que dispõe de pouca força muscular para rasgar a terra dos socalcos. No cultivo da batata o camponês verga o corpo para semear e colher o fruto que o armazena para todo um período sazonal.
Nos campos não se houve o tic-tac do relógio, nem o ruído mórbido dos automóveis e o tempo é aquele que medeia entre o amanhecer e o entardecer. O sol é que orienta os camponeses, o sino da igreja lhes dá as horas do meio-dia e do entardecer. A lua serve de orientação para as sementeiras. O milagre da natureza faz-se durante a gestação da planta que emerge da terra quente e húmida e que vigorosa cresce até dar fruto que amadurece através do calor do sol, que se faz comestível.
***
A natureza, a vida humana e animal, estão interligadas de tal modo que numa força físico-química: calor, água e luz se transformam num milagre energético de vida.

 
Autor
Manuel Lucas
 
Texto
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