Camaradas,
Acabado de chegar de Lisboa, onde tive o grato prazer de apresentar uma obra relevante, não só para a Temas Originais, mas, e sobretudo, para quem aprecia Poesia e História de Portugal, venho deixar aqui o texto que serviu de base a essa apresentação:
"Apresentação de: “Dinastias”, de Vítor Cintra
(Temas Originais, 2010)
Lisboa, 19 de Junho de 2010
Muito boa tarde.
Permitam-me hoje que não fale do autor. Estou em crer que já bem o conhecem e tudo o que eu pudesse aqui dizer pouco ou nada acrescentaria. Desta forma, vou directamente para a obra, este “Dinastias”.
Falar sobre este novo título de Vítor Cintra, é acordar aquilo que faz parte do que sou hoje: um português orgulhoso do seu país. Não só do seu passado, mas também do seu presente e do seu futuro. Porque um país é bem mais do que quem o governa, muito mais, também, do que um pedaço de terra, embora este seja um valor essencial, mas um país é um povo, sobretudo um povo, com seus usos e costumes, com os seus defeitos e virtudes.
No entanto, somos, sem dúvida, um país por cumprir, mas tal é condição essencial para haver futuro. Aliás, esse sinal é dado logo nos primórdios da nossa aventura como país: viemos para sul em detrimento do norte, efectuando aí o início da primeira cisão da nossa própria língua, proporcionando, no entanto, o seu futuro enriquecimento, quando o galego se tornou, e hoje é, uma rica variante do português.
Embora este livro esteja balizado, aparentemente, entre duas datas, 1139 e 1910, fazendo, portanto, uma digressão de 771 anos, neste encontramos o antes, o durante e o após.
Apetece-me dizer que há aqui, neste valoroso trabalho de Vítor Cintra, ainda o ressoar das ondas no casco daquele barco, o tal de uma história que li há já uns bons anos, que chegou ao extremo ocidental da Ibéria, à terra posteriormente designada por Ofiussa, com sobreviventes da Atlântida.
Também aqui descortino a memória dos oestrimni, dos ofis e dos dragani, sobretudo, e muito naturalmente, dos ofis pela sua presença simbólica na coroa dos reis de Portugal.
Acrescento aos ecos o eco de Diodoro quando escreveu, e cito: “os que chamados de Lusitanos são os mais valentes de todos os cimbros”; e nós voltámos a não cumprir: não cumprimos Ofiussa e não cumprimos a Lusitânia.
Ao fazer estas menções no início desta apresentação, isto tem que ver com a nota que Vítor Cintra insere no poema “Homenagem”, com que conclui este volume, e cito:
Deixar que o epitáfio dessas vidas
Se cumpra, pois jamais serão esquecidas
Na alma e no fervor da nossa gente.
Aqui leio, não só o intuito de reavivar a memória, mas, e talvez sobretudo, um querer, um dizer de que há que cumprir. Cumprir Ofiussa, cumprir Lusitânia ou não fosse qualidade da alma portuguesa, que hoje se encontra em estado letárgico, este fervor, leia-se: este querer superar-se, mas mais do que querer, fazer.
E Portugal sempre o fez ao longo da sua História, que Portugal não é fruto de erro, antes da vontade de ser, de saber e cumprir-se como ser. Aliás, essa vontade comprova-se em 1385, em que se age, ou nas palavras de Vítor Cintra, e cito: “Salvando assim o reino do desastre”; ou em 1640, e volto a citar o poeta: “Filipe, que a reinar era o terceiro, / Tratava com desprezo o povo errado”.
E de facto, nós somos o povo errado no que concerne ao jugo, apesar de muitas vezes outra coisa parecer: basta lembrar Olivença, basta lembrar o estado das coisas hoje, sob o jugo de uma Europa que amedronta, repetindo a palavra crise o máximo possível, para que o federalismo seja visto como uma salvação.
Ou, como refere Vítor Cintra, curiosamente referindo-se ao fim da III Dinastia, a Filipina, e cito: “Jamais a prepotência deu razão / A quem mal governou uma nação”.
E Portugal é, entre as nações do Mundo, da Europa ou da própria Ibéria, aquela que deu mais mostras do saber resistir e do tal saber ser. Bastará recuar um bons séculos, indo além do próprio 1139, onde o poeta iniciou esta aventura, e recordar o deus de Portugal, Endovélico, o qual, num espaço dominado, deita feita pelos Romanos, propagou-se, invadindo o invasor.
Mas Vítor Cintra não preconiza esse papel de Endovélico. Não pretende invadir ou dominar ou impor, sequer ensinar, mesmo tratando-se de uma obra que pode ser tida como de cariz didáctico, mas simplesmente ajudar a aprender, isto é: eu digo o que digo, cumprindo a função da própria poesia que, somente, diz; mas que todos os que tenham acesso a este dizer, digam o que esta obra nestes revelem.
Mas há um outro livro dentro deste livro. Pois bem, há quem diga que quem lida com números, lendo a história através desses números, arranja sempre uma solução para que o número que lhe interessa apareça.
Eu não fujo a essa regra. Se somarmos os quarenta e quatro poemas que constituem esta obra, aos cinco ciclos que a dividem e à dedicatória e prefácio, obtemos um total de cinquenta e um, que, dividido por três, um número considerado mágico, tem-se como resultado o número de Portugal, isto é: o dezassete.
Aquando do milagre de Ourique, não discutindo a validade do mesmo, Cristo assegurou dezasseis gerações a Afonso Henriques, o tal que Vítor Cintra, nesta sua obra, prefere cognominar como o Fundador, o mesmo que nos traz o primeiro movimento inverso à nossa própria matriz, o que rumou a sul em detrimento do rumo à Finisterra.
Sendo que há a necessidade de um gerador para que as gerações ocorram, dezasseis mais um, corresponde a dezassete.
Assim, visitemos o décimo-sétimo texto que tem como ponto iniciador o Africano, Afonso V, o qual nos abre, tal como o cognome nos indicia, pontos estratégicos em África, sobretudo em Marrocos. Repare-se, o quinto.
Vamos então para o texto trigésimo-quarto, isto é dezassete vezes dois, o qual se refere a um quinto, também, D. João V, o Magnânimo, o mesmo, e este é um pormenor bonito, que no ano de 1717, isto é: dezassete, dezassete, iniciou a construção do Convento de Mafra, o tal que viveu o tempo, como refere o poeta, e cito: “foi o tempo dos enormes monumentos”.
Se existisse um quinquagésimo-primeiro texto, o que lhe serviria de base, de ponto iniciador? Estou em crer que o poeta o diz exactamente no fecho do livro. Seria um poema que nascesse, e repito este verso, porque o considero a chave de ouro, não só do soneto, mas do próprio livro, e cito: “Na alma e no fervor da nossa gente”.
Repetir este verso significa repetir também a ideia que há pouco expressei: há futuro, isto é: um terceiro movimento, melhor: se Afonso V, se João V, algo que também será o quinto. E esse radicalmente residindo na alma da nossa gente.
Também a questão do número é relevante, isto se se pensar nos tais setecentos e setenta e um anos aqui revisitados. Se a estes somarmos onze, isto é: recuando até ao que é considerado o dia um de Portugal, com a Batalha de São Mamede, que terá ocorrido a 24 de Junho de 1128, há cerca de 802 anos, temos um total de setecentos e oitenta e dois, que, a dividir por quarenta e seis, dará dezassete. Repare-se que há neste Dinastias quarenta e seis textos.
Convenhamos que, das duas uma, ou neste livro, nesta coisa dos números, habilmente me desenrasquei ou isto de facto nos diz algo.
Dinastias é, tal como com tudo isto se pode concluir, um espaço especulativo sobre a nossa História, sobre os nossos passos pelo Mundo. Abre-se portanto ao mundo para o debate. Debata-se então.
Sobre as questões meramente literárias, ou de arte, se assim o entenderem, direi somente isto. Vítor Cintra é Vítor Cintra. Já nos habituou a um determinado estilo, pleno de rigor. Habituou-nos a um determinado timbre e a uma hábil utilização da palavra, e dos sons que cada palavra possui, porque tem palavras – é coisa que lhe não falta.
Até para concluir, agora falando meio a brincar meio a sério, digo-vos que há um passatempo. E um passatempo deve ter um prémio. A quem descobrir um verso tecnicamente errado neste livro, eu oferecerei um livro.
Se a todos desejo uma boa leitura, ao autor desejo simplesmente isto: continue assim.
Obrigado."
Xavier Zarco