II
Eu confesso que entrei também em desespero, mas o meu desespero é diferente.
A rosa era realmente uma mulher e peras! Mais velha do que nós, uma mão cheia talvez. Trabalha ao lado do café, entra por uma porta envelhecida pelo tempo, a madeira já era mais que velha e a fechadura era das antigas, o molho de chaves que ela tinha na mão dava para perceber que não era a única porta onde entrava. Não dava para ver se existiam outras portas, mais portas, para quê tantas portas…
Ela sai por volta do meio-dia, atravessa a moita apressada sempre com um saco de cor vermelha, rechonchudo. Regressa uma hora depois com o saco vazio.
Precisamente na hora que ela regressa o padre António espreita pela janela, abre as cortinas como se fosse abrir pela manhã cedo a janela para deixar o sol entrar.
Fico curioso.
A história do sonho do Toninho deixou-me com pulgas atrás da orelha, armei-me em detective e comecei a apontar num caderno passo a passo cada fio enrolado.
Um deles há-de me dizer com que novelo há-de de começar a verdadeira história da Rosa e o que o padre António tem a haver com isso.
O dia começou mesmo bem.
Raiava o sol pelas cortinas do meu quarto e a janela aberta deixava entrar os sons casuais, pássaros voadores de várias espécies, rãs, cabras, vacas, ovelhas e até o riacho chorava devagarinho pequenas chapinadas de alguns peixes.
Dia um.
Diário “ A rosa da saia vermelha”
Hoje está vestida como se tivesse dormido em cima da palha, amarrotada.
Atravessa a moita a pé, apressada.
Estranho, tem o cabelo despenteado! A blusa azul solta ao vento e saia branca igual.
Sapatos leva-os na mão, para andar mais depressa, são 8 horas da manhã, de onde virá?
O Toninho não está em casa, o pai disse-me que hoje cedo se levantou para ir levar as cabras ao monte, ainda não chegou.
O padre António olhou para trás mal me viu a entrar no café do Joaquim.
E se ele está desconfiado? Não pode desconfiar de nada só eu é que sei.
Bem está na hora de ir até ao pomar levantar algumas cebolas e colher o leite as vacas.
- Carlos. Oh Carlos?
- Entra Toninho, estou quase a acabar.
- Tem tempo, hoje já estou cansado.
- De que?
- De trabalhar, achas o que?
- Pois, hoje está a ser um dia demasiado interessante!
- O que?
- Nada…olha, vi logo pela manhã a Rosa.
- Eu com isso!
- Não a viste? Ele vinha lá de perto do mural onde o Chico partiu o pé, no dia que fomos à tua procura.
- Não a vi. Não quero saber dela para nada.
- Ai não? Parece as vezes que sim.
Fiquei parado a ouvir o silêncio, o Toninho ficou pensativo, os seus olhos ausentes. Fiquei mais curioso ainda.
Á porta da igreja algo de grave aconteceu.
A gente da terra vestia em grande círculo um morto. Se não tivesse morto não conseguia respirar!
- Afastem-se imediatamente! O agente Gonçalves deu um tiro para o ar.
Toda a gente se afastou menos a Rosa.
Fiquei ali admirando e escrevendo no meu caderno cada pequenina coisinha que acontecia.
Diário “ A rosa da saia vermelha”
São 14 horas, a Rosa chora. Como ela chora…tão bem e soluça, e os peitos agarram-se à blusa saltando como que entusiasmados. As lágrimas vão secando ao descer o seu rosto, e quando chega ao peito, meu Deus. Fico doído!
Quem morrera fora nada mais que o Padre António.
Agora a história muda. A Rosa nunca foi lá muito católica, e nem me lembro de a ter aos domingos dentro da igreja.
O agente pede à Rosa para largar o defunto.
O defunto é levado para a cidade.
Iolanda Neiva
(muitas vezes falo só para mim,
e escrevo para que alguém me ouça)