Tínhamos planos, a quantidade exacta de filhos a ter, data marcada e tudo para o casório, até ao dia, ao maldito dia em que lhe saiu um segundo prémio na lotaria e, assim que cheguei a casa depois de oito horas a descarregar grades de bebidas da firma Irmãos Torres, a Irene fez o obséquio de me pôr porta fora com nadinha.
Inventou uma data de desculpas sobre o amor de não sei das quantas, que os sentimentos mudam, etc, que estava farta de cheirar o meu suor após uma boa queca, que a felicidade ainda há-de parir um osso, etc.
Moral da história: agora sou um pássaro livre que poisa de ramo em ramo.
Ando pela noite à procura de dias melhores. Faço umas apostas em cavalos de corrida mas perco o que ganho mais o que aposto. E saio todo lixado e rouco por chamar grande filho da grande puta ao jockey.
Tenho fome da vida e sede de morte. Deixei de confiar em mulheres. Ao menos as prostitutas, fazem o serviço, paga-se e pronto, desanuviamos, o sangue anima e a nossa mente ganha nova felicidade. Por uns dias as emoções ficam restabelecidas.
É certo. Mas isto não é vida.
Estar sempre a investir para ter sexo não é vida para ninguém, muito menos para um tipo como eu que sonha por estes dias encontrar a sua alma gémea, quem sabe, a comprar uma revista num quiosque (vi num filme), deixá-la cair, e eu, cupidamente, a ser mais rápido do que ela, apanhar a revista do chão e passar-lha para as mãos macias. Ela agradece-me nos olhos, e ali, sem que o destino ditasse, nasce uma música perfeita que dias depois nos fará dançar na minha cama de solteiro.
Sonhos, quem não os tem? Até lá vou intercalando com bebedeira sim, ressaca não, apostando no cavaolo nº 7. Nos meses seguintes, precisei de um bocado de arte para sobreviver. Desde a andar na apanha do morango, passando por tosquiador de ovelhas até a vendedor de óleo de fígado de bacalhau em restaurantes.
Não é para me gabar mas até tinha uma enorme capacidade de persuasão. Toda a gente sabe que em alturas de necessidade até vendemos frasquinhos de bosta, se for preciso.
Mas a sorte, apesar de invisível, é algo estimável. E eu sabia, pá, eu sabia que tarde ou cedo a sorte viria. No beco nº 7 Conheci uma cantora de ópera que me enchia as medidas. Pesava cem quilos, mas isso que importa quando amor não olha a banhas. A vantagem de andar com ela é que ninguém se fazia ao piso. Podia estar seguro que, dela, só lhe queriam ouvir cantar.
A Paloma tinha 3 anos de conservatório e, de quando em vez, fazia umas actuações pelas terrinhas do interior norte, acompanhada por um gira-discos. Ela, lá com os seus gritos histéricos, sempre ganhava algum dinheiro para encher o frigorifico.
Durante um certo tempo andei a beber do bom e a comer comida decente em vez daquela pasta de atum a matar-me o fígado aos bocados. Fornicávamos muito. A Paloma lá nisso era insaciável. Talvez seja este o mistério das gordas.
Cheguei a acompanhá-la em muitas actuações e a dar-lhe moral para que não ligasse a bocas quando alguém lhe elogiava os cem quilos de gordura consistente. Éramos felizes, muito felizes. Fazíamos caminhadas e riamo-nos muito.
A dado momento meteu na cabeça que queria emagracer, e começou a fazer dietas milagrosas e a querer sempre mais e mais sexo, não com objectivo do prazer, mas porque o médico aconselhou-a como método eficaz de emagrecimento.
Ela, a cada dia emagrecia e eu, cada vez mais a ficar um pau de virar tripas.
Ela disse adeus aos fritos e hambúrgueres e eu disse adeus às pataniscas. Aos poucos e poucos deixava as roupas XXXL e já ousava vestir coisinhas mais leves e provocantes.
O certo é que a Paloma estava a ficar nos trinques, o seu rosto brilhava a milhas e a sua silhueta dava vontade de lhe dar uma silhuetada com os dentes. Ganhou tanto gosto em si, tanto gosto, que me convidou a saltar fora do cavalo, dizendo-me em tom si bemol gregoriano que já não dava mais, que a vida é assim, dá as suas voltas e, e, e, foda-se!, não tive outro remédio senão fazer-me à vida em direcção à rua da amargura, sem nada a declarar a não ser emborrachar-me sete dias e sete noites. Longe do meu record, mas pronto.
Foi precisamente na última noite que conheci a Belmira, uma musa com todos os predicados para o meu sujeito nominal. Uma autêntica febra! Amámo-nos logo à primeira. Cruzámos peles e arrepios e eu fazia grandes exortações poéticas nos seus mamilos. Só com um senão: um acidente deixou-a temporáriamente muda. Foi do susto. O bem é que comia calada, ao contrário da Paloma que fazia um cagaçal do outro mundo ao ponto de os vizinhos certa vez, duas da manhã, pensaram que eu estava a matá-la. Mas entre mim e a Belmira, os dias são passados assim: muita cumplicidade e o amor é o melhor remédio para combater o frio e aquecer os pezinhos.
O problema é que daqui a 7 dias vai fazer nova operação às cordas vocais que, segundo os médicos, recuperará a fala por completo.
A família dela está contente. Já eu, antes de levar o nó na espinha, vou aproveitando os dias até lá, a amá-la perdidamente no sofá, na cama, no lavatório, na escrivaninha, pois quando ela vier curada, a falar, o certo é que, tal como as outras, a Belmira, mais coisa menos coisa, vai pôr quês no amor, reticências no futuro, aspas no desejo, camadas de interrogações na felicidade, etecétera e tal.
OK. O bom do azar é que, se isso acontecer, tenho a fezada que vai ser desta que o cavalo nº 7 vai ganhar!