portugueses.

já não se fazem portugueses como antes. um pé na rua, o primeiro, e logo um bom dia ou uma boa tarde ou uma boa vida. agora andam todos de queixo caído, parece que lhes pesa a cabeça e no entanto não é esta agora que carrega as bilhas de leite ou os cestos de pão. onde está o queijo da serra, o vinho do porto, o xaile de viana. exportaram-nos. meteram-os num avião, deram a volta ao mundo. nada nos pertence já como antes. somos do mundo. já não se fazem portugueses como antes nem avós como a minha, que ainda usa saiote, que ainda usa avental, que ainda me chama neta. sou do mundo também eu e nunca quis sair do meu país. já não se fazem portugueses como antes, desses que engraxavam as botas com banha e de madrugada iam reunir-se à porta da igreja para falar do regime, ou do governo, ou simplesmente fazer amigos. jogavam á sueca, dançavam o vira e ao chegar a casa tinham tempo para uma boa conversa. bem sei que os tempos mudaram mas já não se fazem revoltas como deve ser porque não se fazem portugueses como antes. se o meu avô fosse vivo, ah se o meu avô fosse vivo, entrava por aqui dentro e dizia-vos umas modas que falavam de guerra e dor e liberdade, depois oferecia-vos um copo de aguardente e um pedaço de broa e ia aninhar-se à lareira. tenho saudades do meu avô. tenho saudades dos portugueses.