Ensaio: Saúde & Trabalho no Processo Histórico e no Contexto Político do Neoliberalismo
Parte IV - Advento do Neoliberalismo.
O novo quadro internacional e a postura vitoriosa da área capitalista, com hegemonia tradicional do EUA.
Considerando agora que o mundo estava aberto a uma exploração sem contestações, a uma dominação absoluta, geraria o que ficou conhecido como neoliberalismo, doutrina que campeou sem freios desde o governo Reagan e que, crescentemente, na medida em que a crise geral avançava, aumentava as suas pressões e, não aceitava resistências.
O neoliberalismo era apresentado como saída salvadora para todos. Seus princípios básicos seriam uma reforma profunda, dita como “modernizadora” face aos anacronismos da nossa estrutura econômica e política.
A aceitação da proposta neoliberal era tida como condição para conceder a cooperação financeira externa bilateral ou multilateral.
Em 11/89, reunia-se em Washington, um grupo de interessados no assunto “Latin American Adjustment: How much happened?”.
O Institute for International Economics já defina seus propósitos no documento “Towards Economic Growth in Latin America”.
No mesmo ano, o Banco Mundial baixava as curiosas postulações colocadas no estudo “Trade Policy in Brazil: the case for reform”. Observemos curiosamente as datas e a ascensão de Collor ao poder.
A versão mais moderna é a de Tony Blair, premier inglês, do partido trabalhista, porém com espírito e coração conservador em uma pele socialdemocrata. Isso é a expressão exata da socialdemocracia, paladina hoje no massacre no Iraque, na Bósnia, no Kosovo.
Isso para falar do papel de sub imperialismo que Tony Blair representa dentro de um projeto imperialista mais forte, no sentido triplo do termo (militar, político e econômico) com o que o governo Clinton e os EUA representam.
Como resultado desse processo, o neoliberalismo acaba se impondo ao longo da década de 90.
Parte V - A que se propõe o neoliberalismo.
O Mito do Mercado:
O Estado enquanto organização política ou categoria política – é uma coisa pública, por contraste do que pertence à área privada.
Na área política, está presente o povo.
Na área privada, o que pertence aos indivíduos, no que se refere à economia, do que visa e depende do lucro, nas sociedades em que o lucro é a medida de todas as coisas.
Mas o Estado é também uma categoria histórica, pois ele muda ao longo do tempo e é subordinado à correlação de forças na sociedade.
Ele não existiu sempre, ele surgiu com a sociedade de classes. Comunidades primitivas não têm classes, não conhecem o Estado (exemplo: ianomâmis).
O Estado tem razões políticas, move-se por razões políticas – nível em que o público, o povo, intervém conforme a etapa de desenvolvimento da sociedade.
A ordem privada move-se por razões de lucro, tem razões de lucro.
Quando se pretende, pois deslocar determinada empresa da área do Estado para a área privada, isto significa que ela em lugar de pertencer ao público, passa a pertencer a indivíduos ou a agrupamentos de indivíduos em empresas. Deixa de ser de todos, para ser de alguns.
Basta ver o furor com que atualmente se atiram à rapina do Estado, no chamado processo de “enxugamento” da máquina estatal, através do instituto da privatização.
Reduzir o Estado a mínimas proporções, deixando-lhe tarefas e funções que não dão lucro, ou seja, serviços indispensáveis à ordem pública.
Para ganhar corpo e opinião pública, esta tese assumiu proporções de violenta campanha de desmoralização do Estado e dos serviços públicos e estatais, inoperante funcionado como entrave ao progresso, palavra de ordem adotada pela mídia.
A “modernidade” em que o país tardava em ingressar, representava o caminho único para atingirmos o 1º Mundo.
Trata-se de uma grande impostura, pregada de forma metódica, ardilosa, com objetivos bem claros: retirar do Estado, não apenas as grandes empresas, que lhe permitiam estar presente no mercado, mas até para as mesmas funções para as quais se aparelhava.
Defender como do interesse geral aquilo que na realidade é do interesse de alguns, é uma velha técnica que a ingenuidade e boa fé de um povo desinformado permitem ganhar pela repetição, forma de verdade.
Opor-se à “modernidade”, realmente, era sinal inequívoco de atraso.
A modernidade em que o Brasil tardava em ingressar, representava o caminho único para atingirmos o “primeiro mundo”. A impostura seguiu seu caminho, encontrou guarida e defesa, daí a fúria das privatizações.
O sucateamento da rede hospitalar, a destruição do ensino público, o abandono já antigo do transporte ferroviário e por água –mais eficientes e baratos, o desemprego e, outras tantas foram conseqüências dessa política batizada de “modernidade”.
Com uma urgência já por si suspeita, batiam o martelo e passavam às mãos de grupos já bem instalados no mercado, as empresas públicas em áreas onde o Estado se fazia presente na produção, com eminente papel, como o caso das Siderúrgicas.
Esses grupos ainda lançaram mão das chamadas “moedas podres”, correspondendo no final a grandes “doações” do patrimônio público.
Este processo acelerou a concentração de renda, aumentou o desemprego, debilitou o patrimônio público e não reduziu o déficit público.
Estado Mínimo. Mercado Livre.
A tese que aponta o Estado como expressão do atraso e sua redução como premissa indispensável ao progresso e à modernidade, ampara-se no pressuposto de que a intervenção do Estado na economia é nociva e imoral.
As funções do Estado deveriam ser reduzidas ao mínimo, cabendo-lhe apenas presidir, sem intervir, o livre desenvolvimento das forças de mercado.
A concepção de mercado livre, herança dos velhos tempos da economia de concorrência, é inteiramente descabida em uma economia oligopolizada como a nossa e, é herança indevida da propalada “lei da oferta e da procura”, há muito sepultado. A apresentação do mercado como potentado mítico, dotado de mágicos poderes, é desconectada da realidade.
O Estado sempre teve intervenção na economia, no Brasil e no mundo, simplesmente pelo fato de existir.
Não existe um Estado neutro ou um Estado acima da sociedade desvinculado de sua condição societal.
Senão vejamos a situação da maior potência econômica do mundo, os Estados Unidos da América, pois na Meca do capitalismo, a atuação do “Federal Reserve” é decisiva para os rumos da economia norte-americana.
Afinal, qual o valor do trabalho, na sociedade moderna?
Segue nas partes VI a VII.
AjAraújo (Alberto José de Araújo), MD do Trabalho
Doutor em Ciências em Engenharia de Produção
COPPE/UFRJ.
Obras Consultadas:
1. Bartholo JR., RS Os Labirintos do Silêncio. Ed. Marco Zero Ltda. 1986.
2. Sodré, N W. A Farsa do Neoliberalismo. 6ª Edição. 1999. Graphia.
3. Mendes, R. Patologia do Trabalho. Atheneu. 1996.
4. Dejours, C. A banalização da injustiça social. Editora da FGV. 1999.
5. Antunes, R. Os Sentidos do Trabalho. Boitempo Editorial, 1999.