O arrependimento !!
Nove horas da manhã. Ele chegou na Avenida Marginal, seu destino era a cidade de Jandira. Era professor do ensino oficial do estado. Era estudante de terceiro ano de letras, desempregado e para complicar algumas mensalidades da faculdade em atraso, apesar dos problemas e das dificuldades, nutria muitas ideias na cabeça. Idealista era no nome mais apropriado para esta descrição.
Um pedaço de cartolina nas mãos escrito em letras garrafais: Jandira. Mais abaixo, lia-se com muita dificuldade a palavra: professor. Poderia, pelo tamanho das letras, até pensar que era vergonha de ser este profissional tão desvalorizado, mas não. Era para a pura facilidade da comunicação com os motoristas que transitavam na via de Sorocaba a São Paulo a trabalho. Era um pedido de carona.
Já conhecido no meio dos viajantes desse roteiro, não perecia muito na beira da estrada. Porém alguns dias, como é para todo o caroneiro, tornavam-se difícil arrumar uma condução para o trabalho, perdia, às vezes, algumas aulas por não achar condução. Isso não era tanto um problema, as escolas já sabiam dessa dificuldade, que até já imaginava que o professor viria, era só uma questão de tempo.
Nesse dia não conseguiu uma carona em carro de passeio, pegou um caminhão. Versado em sala para motorista, muito bom de papo, este adquirido pela experiência em conversar. Tirava de letra qualquer assunto desde os banais até os mais complexos. O veículo parou, ele entrou, sentou-se e agradeceu o gesto do caminhoneiro e logo a conversa engrenou:
- Você trabalha em Jandira tem quanto tempo?
- Faz cinco meses, eu sou estudante ainda, estou no último ano da faculdade.
- Você consegue carona mesmo sendo homem?
- Eu estou na chuva, tenho que me molhar.
- Eu sempre dou carona para as professora que trabalham nas cidades beirando a Rodovia Castelo branco.
- E você não tem medo de dar carona?
- Essa pergunta me foi feita por uma professora um outro dia e o efeito da resposta foi interessante que e não respondo a mais ninguém da mesma forma!
- O que aconteceu de diferente!
O motorista fez um sinal com a mão para o professor que esperasse um pouco. Pegou o celular, uma espécie de tijolão. Aquele celular antigo que mais parecia uma arma do que um telefone. Abriu o monstrengo e atendeu. Pela conversa parecia ser a esposa, mas também alguém muito superior, pois em alguns momentos ele a chamava de doutora, outras vezes de delegada. Foi rápido e logo depois desligou, guardou o tijolo e me disse:
- Era a minha esposa, chamo ela de delegada e doutora para brincar com ela , Ela não gosta, mais eu gosto e pronto. Eu me divirto muito com isso!
- Mas e a história da carona da professora? Como foi?
- Ah! Ela entrou como todas as professoras, sentou aí nesse banco e disse que estava atrasada para a aula, então eu falei para tentar uma carona mais rápida, ela discordou, porque já estava ali na marginal a mais de duas horas e resolveu arriscar a ir comigo.
- E daí o que aconteceu?
- Ela fez a pergunta padrão que vocês fala a todos os motorista: Você na tem medo de dar carona? Eu respondi que não tinha, essa questão de medo, eu tinha antes quando eu era vivo, depois que morri assassinado na Castelo eu perdi o medo.
- É louco mesmo, você falou isso pra ela?
- Falei e continuei olhando a estrada e foi um silencio só na cabine do caminhão.
- E a professora?
- Só sei dizer que comecei a ficar preocupado, porque ela começou a mudar de cor e passar mal que eu perguntei se precisava de alguma coisa. Ela me disse que queria descer ali naquele momento na rodovia!
- Mas ela estava perto da escola?
- Que nada, queria descer ali mais de vinte quilômetros longe da escola!
- Então ela ficou com medo?
- Põe medo nisso, ela olhava para mim com um olhar estranho que eu perguntei se tinha acontecido alguma coisa e ela me disse que nunca tinha imaginado viajar com um defunto vivo!
- Pô cara, ela falou isso cara!
- Não só falou, como desceu mesmo longe da escola, não adiantou, nem falar que era brincadeira!
- O caso foi sério mesmo!
- Põe sério nisso, sabe que eu fiquei com problema de consciência mais de mês, agora não respondo mais assim.
A conversa rodou por mais minutos e minutos até que chegou ao pedágio perto da cidade. O professor agradeceu pela carona e desceu. O caminhão se foi e o professor seguiu o seu caminho em direção à escola para mais um dia de trabalho.
(Santiago Derin)
Exercitar a leitura é alimentar o intelecto!!!