Poemas : 

quarta-feira

 


não tirem o vento às gaivotas - sampaio rego sou eu


hoje não me apetece escrever estou com uma puta de uma azoina que não aguento nem o barulho das teclas a bater – olho para trás e nada vejo que me possa aliviar o stress. olho para a frente e sinto que o drama do sangue nas pontas dos dedos vai ter o mesmo fim. vou acabar fodido comigo – estou parado em frente a um papel imaginário. existe. porque existe um fio que traz corrente eléctrica. e depois dentro desta caixa imensa. que um americano maluco vendeu ao mundo. há uma quantidade de porras interligadas que em faísca uns com os outros acende esta merda toda – o papel fica luminoso e as palavras nascem com um pensamento que afinal mais não são que mãos raivosas a excomungar o mundo – eu também sou uma puta de uma invenção foleira. não de um punhado de dólares imperialistas. mas de um escudo que deveria ser orgulho mas não é caralho nenhum – tenho aqui uma merda de uns bonecos dentro de mim que acendem com a libertação de uma energia que me deram ao nascer. creio que a corrente não é certa. falta um aparelho para manter a corrente contínua com o resto dos astros – estes bonecos com feitios distintos. muitas vezes pegam-se todos à galhetada uns aos outros – são fodidos! uns pensam que escrevem. outros que sabem ler. outros imaginam-se cientistas de régua e esquadro. dizem que inventam mas não vejo futuro no pensar. outros ainda são uns caralhetes alentejanos que não querem fazer coisa nenhuma – para estes. onde houver um chaparro alumiado por um fusível de 220 volts é onde dormem melhor. apenas fodem a cabeça aos outros – quando estes irmãos de fusíveis se incendeiam. bem. nada segura os bichos dos electrões e protões. comem-se uns aos outros – esta bonecada cheia de energia é mais intensa quando acordo fodido. mando tudo para aquela parte. falo sozinho. a barba são quatro naifadas com dois cortes profundos. e até a merda do shampoo tem um cheiro horrível – o dia vai ser do caralho. e de toalha à cinta seco o corpo com a leitura dos primeiros emails. em suma. discuto com todos e a todos digo que são uma bosta – tudo me corre melhor a partir do momento em que a electricidade se transforma em pimenta no cu dos outros. digo cobras e lagartos e viro o mundo de pés para o ar – os sonetos são uma merda. os poemas cheiram mal de tanto amor pegajento. o mar e as ondas enrolam-se na puta da lua prenha. que nunca conseguiu dar à luz a ponta de um corno – para achincalhar esta merda toda. os textos do luso estão todos fodidos – até o jornal regional que compro pela manhã para saber dos mortos da terra está uma cagada. hoje. não morreu chulo nenhum – faço ginástica com os dedos. parto lápis com as orelhas e apetece-me pelo menos dar uma desancada num filho da puta qualquer que passe à porta do meu computador de suíças cumpridas – começo a sentir-me mais mortiço. mando dois cafés expressos para dentro do embrulho e sinto novamente a ira a tomar conta de mim – sinto todos os nervos em curto-circuito. mas chego à conclusão que sem esta merda desta engrenagem não escrevia coisa nenhuma – começo a ficar triste. as palavras cada vez são menos minhas. é mais uma dor que sempre chega quando a energia não é suficiente forte para alimentar as mãos que teclam – é a merda da quarta-feira. o mar está para lá distante. e até as minhas gaivotas estão para a faina – estas. saem no começo da semana e seguem os barcos para dentro do nada. sabem apenas que têm que comer para poderem vir a terra de quando em vez – também eu. saio pela manhã. o livro dos afazeres tem na primeira pagina em letras grandes: ÉS UMA MERDA. MAS TENS QUE CHEGAR AO FIM-DE-SEMANA PARA VER AS TUAS GAIVOTAS.
 
Autor
sampaiorego
 
Texto
Data
Leituras
1086
Favoritos
0
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
10 pontos
10
0
0
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 02/06/2010 17:58  Atualizado: 02/06/2010 17:58
 Re: quarta-feira
"...parto lápis com as orelhas..."
Continua a parti-los que eu vou lendo os estragos.
Excelente.
abraço
nuno


Enviado por Tópico
Moreno
Publicado: 02/06/2010 18:03  Atualizado: 02/06/2010 18:03
Colaborador
Usuário desde: 09/01/2009
Localidade:
Mensagens: 3482
 Re: quarta-feira ao sampaio(r)ego
isto foi um curto circuito do caralho.

brutal!

um abraço


Enviado por Tópico
Alexis
Publicado: 02/06/2010 19:10  Atualizado: 02/06/2010 19:10
Colaborador
Usuário desde: 29/10/2008
Localidade: guimarães
Mensagens: 7238
 Re: quarta-feira para sampaiorego
estou a seguir o teu diário absolutamente deliciada.

abraço literário

alex


Enviado por Tópico
Margarete
Publicado: 02/06/2010 19:21  Atualizado: 02/06/2010 19:36
Colaborador
Usuário desde: 10/02/2007
Localidade: braga.
Mensagens: 1199
 quarta-feira ao sampaio(r)ego
a lua está prenha mas o mar não. as gaivotas estão longe mas o mar não. a corrente e os fusíveis e as lanternas e a luz. hoje estás avariado mas o mar não e o mar lê e o mar escreve e o mar morre todos os dias. e tu? onde estás quando o mar morre?

hm?



"Quando falo da cidade ou penso
em ti é sempre do mesmo ângulo,
do lado do rio por onde fujo
quando me aborreces, quando me irrita
o lado mais comum da vida.
Não insistas que é a máquina
dos fumos o que arrasta o nevoeiro
até à saída dos baixios: bem vejo
que são os corsários a correr nos botes
cinzentos, doentes e efémeros
a acreditar que o sol se apagará
em gestos líquidos, arbitrários.
Corro e salto e fecho os olhos
até à outra margem. Também
há contentores da Maersk e da Aws
mas ficou longe o desenho dos mastros,
a força esguia das tainhas a salvo.
Ouço-te rir por pensares que brinco
e regresso pela ponte, cheio
de saudades. Vamos esconder-nos
para trás do Azimute?"
manuel fernando gonçalves


um beijo,
mar.