Atirei-me para a frente e bebi duas estrelas de uma penada. A embriaguez foi imediata. Tocou-me, fulminante, os pés num jeito dançarino e saltitante. Não fui na conversa. Deixei-me escorregar até ao horizonte, que já não via há algum tempo, num ataque de saudades altas e baixas e sentei-me num cadeirão.
Cruzei os dedos, as pernas e os braços à espera que começasse o filme. Começou como se tivesse acabado. O “the end” apareceu em português falado e ouviu-se no espaço todo: “o fim!”. “o fim!”? Em minúsculas e com um ponto de exclamação? E ouviu-se em todo o lado? Pois foi. Eu sei por que sou mouco e as coisas boas sabem-me a figos.
Mas estava ébrio. Pensava claramente e sabia de uma forma esclarecida que a euforia era minha irmã mais velha. Os pés continuavam a estrebuchar, numa reivindicação clara para que levantasse o traseiro do conforto. Eu não respondia. O filme já estava quase no último intervalo. Ainda faltavam três.
De um momento para o outro, assim de supetão, fiquei apeado. O cadeirão fugiu a sete pés, estrelas já não havia e, mesmo a lua já estava quase no fim. Foi quando me caiu um céu inteirinho dentro do prato da sopa e fiquei todo molhado. Entre rodelas de cenoura e folhas de nabiça abri os olhos e deixei de ser mouco. Percebi tudo o que não era. Peguei nos pés e pus-lhes uns sapatos, que rebeldias não me fazem o género e mandei-os dar uma volta ao céu em demanda por mais estrelas cintilantes. Nada. Não trouxeram nada. Nem voltaram. Claro que num escuro sem noite, adormeci, seco de saliva. Mas, não fosse o diabo tecê-las, deixei um olho fechado e outro aberto tentando prevenir o possível regresso dos calcantes formatados. Pois sim, foi só esperança pintada com uma cor qualquer fora do normal.
Isto ia doer. Assim que o sol aparecesse ia ser difícil esconder-me... isso era certinho.
Valdevinoxis
A boa convivência não é uma questão de tolerância.