jogo a cintura num espaço fechado, olhos semi-cerrados,cega do tudo que não sei,e da importância que nada tem, a não ser a que lhe damos.das escolhas que faço,mesmo que inconscientemente, e do resto a que me obrigam os pensamentos,as emoções,os valores,os outros.sinto-me azul,doente,emparedada de verdades brutas,inúteis, camufladas em cores de rosa ou das do diabo quando foge,vistas à sombra de palavras caras e baratas,flutuantes,qual mercado de valores da mente humana projectado em decadentes espelhos de si mesma.
sinto, limitada pelo que penso,bem sei.penso um pouco no que sinto também.tudo se conforma em palavras,em imagens interpretadas.não fosse isso,nada diria.estaria calada por dentro.mentiras que são, funcionando tão bem como verdades (o que interessa como lhe chamamos?),num mundo organizado por todos nós um pouco.o todo caos que recusamos leva-nos a aceitar a ordem,ainda que às vezes nos desagrade. a ordem aparente que inventamos, e que às vezes estala como verniz seco e fino,deixando antever o insondável.chamamos-lhe loucura,incompreensão,instinto animal.às vezes é poesia.é arte.assusta-nos,faz-nos medo.continuamos por isso a organizar,trôpegos.inventamos novas formas de expressão,porque tal se impõe.é necessário que aconteça.
e no entanto,ciente de tudo isto,insanamente,digo que te amo,meu irmão,cheia de convicção.e nunca deitarei ao lixo o brilho nos olhos que isso me dá,o brilho nos olhos que isso te deu,que sempre nos dará enquanto houver memória.porque,para o bem e para o mal,alguém me ensinou esta palavra amor,amando-me.gosto dela. escolhi não abdicar dessa bela construção alada e cheia de raízes,misturada com instinto e intuição, plantada no meu peito,no coração,onde gostamos de a imaginar,não sei porquê.para mim é na cabeça que começa,nos olhos de dentro,como quase tudo.mas podemos situá-la onde bem entendermos.cada um que se agarre à "verdade" que quiser.ao em nada acreditar,que seja.que seja infeliz,à sua maneira.feliz também ,as vezes,que puder.mas que seja e aceite ser humano,porque é essa a nossa condição. e sê-lo,mesmo que não o saibamos,implica tudo isto e muito,muito mais.o fascinante é que nunca saberemos TUDO o que implica.nunca o compreenderemos totalmente.até porque,nos recriamos.continuamente.
volto a jogar a cintura no espaço, agora um pouco mais aberto.e respiro.
olho-te,ser humano.
cruz mendes