Muitas vezes o autor pensa e diz
“Serei lembrado por isto”
e empina o nariz
Mas para que produzir para ser lembrado
se o que me importa é ser esquecido?
Daí ao invés de empinar o nariz
eu empinarei o ouvido!
Ou seja, eu prefiro ser um leitor
e no que me enseja, ser um espectador
ou ouvinte
do que ser um mero autor
pedante ...
porque o leitor pode ser muitos
e o autor sempre é um só.
Além disso o leitor nunca sofre
deste mal que é o orgulho
e do sovinismo autoral de querer o entulho
da obra trancada num cofre!
Ah, autores, por que são tão orgulhosos?
quando de Vossas Excelências
também os flatos
são mal cheirosos...
Os autores são meros escravos
muitas vezes revoltosos
que se valem de contatos
– muitas vezes os leitores –
para se libertar
daquilo que lhes vai no íntimo :
seus amores, seus horrores ...
Ah, Fernando Pessoa!
Tu que fingiste ser muitos
e não foste ninguém!
Leio toda a tua poesia com carinho.
Leio-te o dia inteiro.
Mas o que foste tu,
por estar sozinho,
além de um bruxo punheteiro ?
“E o que serei eu
além de um caipira brasileiro
que às vezes pira, e pira por inteiro ? ...”
Ah, Fernando Pessoa era um pirado!
Também Faulkner o foi!
Também Nietzsche o foi!
Quem não o foi?
Todos os senhores que leio
todos os horrores, todo anseio
são frutos de uma cultura indócil
são lutos
de uma literatura fóssil
pois estão todos mortos
– mortinhos da silva –
Tanto é que eu mais Flávia Recabarren
usamos o túmulo de Alphonsus de Guimaraens
como poltrona ...
Fiz o mesmo no túmulo de Mário Palmério
lá em Monte Carmelo,
lendo um livro
sem tentar ser sério...
Aliás, que seriedade há diante de um livro?
Nenhuma.
Eu consigo rir de uma tese
e uma dissertação de mestrado
não raro me proporciona
as mais terríveis risadas.
Uso o túmulo de Alphonsus como poltrona...
Quem mo irá proibir ?
A polícia? a Igreja? o decoro?
Mas por acaso você acha
que o gênio de Alphonsus, de Baudelaire
de Picasso, de Érico Veríssimo, de toda essa gente
que gosta de mulher
e que não pensa em ser decente
– porque o que diverte é simplesmente provocar –
por acaso você acha que se preocupam com a polícia?
com a Igreja?
com o decoro?
– ou com a moral que seja... –
Aposto que qualquer um deles
Que não são nada
se deitariam na minha sepultura fosse eu alguma coisa...
E sobre ela arrotariam, peidariam
lendo literatura
sem se preocupar com nada...
O quê? Nunca ouviste falar
que os autores góticos – que são os melhores –
gostavam ...
de freqüentar ...
cemitério!?
Mas é claro que o contato
sempre profícuo com o campo da morte
independente da postura, independente do flato,
quase sempre dá sorte
e inspira a literatura...
Que seriedade há diante de um livro ?
Hã? Me diz!
Que seriedade além daquela
de o autor, em uma poltrona em que se refestela,
levantar o nariz?
Essa cambada de orgulhosos tem que acabar!
É!
Essa cambada de orgulhosos tem que acabar!
Todo autor tem que compreender
que ele é muito menos que o leitor
ou ouvinte
e é como se o autor fosse um pedinte,
um mendigo à beira da estrada
por onde passa um monte de gente rica
ou um monte de mulher pelada
– a depender da imaginação –
Ah, eu detesto a seriedade e o pedantismo!
Eu detesto a responsabilidade, o compromisso!
e é por isso que me incorporei ao titiQuismo
que me salva de tudo isso!
O autor tem que ter responsabilidade?
Por mim, ele fale o que quiser...
é exatamente o que fez Faulkner
por isso que ele deu certo
e é por isso que o livro daquela mulher
a obra “E o vento levou”
vendeu muito mais que “Absalão, Absalão”
porque aquela porcaria
qualquer espirro hoje em dia
vale mais que um rojão
Felizes são os que conseguem reconhecer
no espelho uma imagem
no vermelho o sangue
uma mensagem
e no mangue um vulcão!
Assim é Faulkner
o autor de “Absalão, Absalão”.
Assim foi Sartre, assim foi Borges,
assim é Fernando de Heliodora,
esses reis sem súditos
babacas eruditos
camaradas simpáticos
meus caros amados
– que não são nada não...
Ah, que confusão!
Os autores são tão importantes
mas ao mesmo tempo
quando neles
se verifica uma ponta, um indício reles
de orgulho
ou de pretensão
como eles ficam feios!
como se tornam ridículos!
cada qual com os seus meios
de chutar milhares de testículos...
Úmero Card'Osso
Úmero Card'Osso