Contos : 

Uma história curta

 
Contaram-me o que aqui vou relatar. Caberá a cada um de vós ajuizar acerca da veracidade da narrativa.
Numa aldeia do interior situada na margem de um afluente do Douro, foi encontrado por pescadores um corpo com cerca de dez anos de idade, de sexo masculino e cujo estado de decomposição era consonante com a permanência de, pelo menos, três semanas dentro de água.
A notícia saiu no periódico da vila mais próxima, na terceira página, em simultâneo com a data e a hora do funeral de Joaquim dos Santos, filho de Maria da Luz, na secção dos Obituários.
A missa de sétimo dia só viria a sair na semana seguinte mas isso carecia de qualquer importância, pois desconheciam-se, em rigor , as circunstâncias e a hora exacta do falecimento.
Voltando à terceira página, acrescentava o periódico que a Polícia Judiciária do Porto tinha sido chamada ao local para tomar nota da ocorrência e averiguar acerca dos factos. Quaisquer desenvolvimentos seriam comunicados ao único familiar do falecido.

Naquela manhã de Janeiro, Joaquim, o Quinzinho da Luz, tal como era conhecido na povoação, desenrolou-se dos cobertores onde dormia no chão da barraca meia de tijolos, meia de troncos e deu início às suas tarefas quotidianas, avivar o braseiro, aquecer água para a sopa. A sua atenção foi atiçada por um som que vinha do exterior.
Dirigiu-se aos juncais na margem do riacho gelado naquela altura do ano. Devagar. Hesitante. Aproximou-se. As marcas que deixou no chão deram conta do seu percurso.
Não viu o braço que lhe envolveu o pescoço num torniquete sufocante. Quando outro braço lhe desferiu uma pancada ou soco, deixou de opor resistência. O seu corpo magro e franzino foi violado até rasgar o intestino grosso e os músculos adjacentes. Os menbros superiores e inferiores apresentavam cortes de faca ou outro utensilio cortante, possivelmente, feitos com o intuito de rasgar a roupa.
A arma não foi encontrada mas uma orelha arrancada caiu do gorro às cores que os Inspectores encontraram no local da violação, à beira da àgua. O rosto do cadáver aresentava a boca dilacerada e os órgãos genitais tinham sido arrancados à dentada.

No sentido de apurar a identidade do agressor foram feitas diversas diligências completamente infrutíferas. O corpo foi, finalmente, depositado num caixão, selado, envolvido cuidadosamente em lençóis de linho do antigo enxoval da mãe viúva, não fosse o aspecto do Quimzinho impressionar demasiadamente a comunidade local. Afinal, nem era a mãe biológica. A criança tinha sido abandonada aos cinco dias de vida e do pai ninguém sabia nem nome nem paradeiro. O cheiro disfarçou-se com uma fogueira de folhas secas mesmo ali, à entrada da casa mortuária. Tudo tratado pelo padre novo, recém chegado à povoação.
Houve mesmo até quem achasse que, dado o inusitado da situação, o novo padre tinha estado bem apesar de alguma rouquidão na voz trair-lhe a emoção incontida durante as exéquias.
-Agruras do Inverno...Tenho estado engripado. - respondeu a quem o inquiriu.


Incipit...

 
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Vilians3
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