Até ao dia em que foi à cidade, só tinha convivido com dez pessoas entre família e vizinhos. Habituara-se a falar e a cantarolar sozinho, para os animais, para as plantas e para as coisas. Lembrava-se de quando se mirou no espelho da água do rio pela primeira vez. Teve a sensação nítida de que se tratava de outra pessoa e, mesmo sozinho, sentia-se como se estivesse acompanhado por uma espécie de sombra.
Na cidade, tudo era intensamente novidade. Os seus olhos e o seu cérebro não tinham memória de nada do que viam. Anos mais tarde ainda estaria refém da memória desse encontro fabuloso com a cidade, dessa experiência tão marcante. Via as pessoas a entrar e a sair das casas e das lojas e imitava-as. Sorria para elas como se as conhecesse e achava graça às expressões delas. Entrou num café e não sabia o que fazer nem o que pedir. Era de tal modo o centro das atenções que sentiu algo parecido com felicidade, sentimento que ele praticamente nunca havia experimentado. Em nenhum rosto viu sinais de hostilidade ou desdém. E quando se riam dele, então é que ele gostava. E ria também. Com dificuldade, porque não tinha rido mais de duas vezes na vida. Uma, quando ouviu pela primeira vez a rádio. Outra, quando um missionário passou pela aldeia e o ensinou a fazer o sinal da cruz.