Nunca se tinha sentido tão alto, dali quase dominava o mundo, nunca se sentira tão poderoso, a sua cabeça quase tocava o tecto, via em cima da mesita da sala os restos do almoço, uma sandes mal arranjada em pão de forma, um copo de leite meio vazio ao lado, as migalhas dispersas sobre o vidro opaco da mesa meia partida sustentada por talas presas com fita-cola de embalagem, cinzenta, meia sem cor. Correu a vista pela sala meia arrumada, livros amanhados em prateleiras meias vazias, aqui e ali um pechibeque qualquer servia de decoração para um espaço meio vazio. Os olhos seguiram o rodapé meio sujo ao longo da parede que desembocava na porta da cozinha, entreaberta onde o gato o espreitava algures entre a surpresa e a expectativa, atrás dele vislumbrava o balcão da cozinha em mármore matizado debruado pelo pinho contra uma parede de azulejos meios partidos. Ouvia-se um ping-ping de uma torneira meia fechada que vinha dos lados da casa de banho, um pingar cadenciado que lhe chegava ao ouvido. Da janela meia aberta vinha-lhe uma aragem que lhe afagava os tornozelos descalços assentes no tampo da cadeira estofada a veludo já meio roto. Deu um impulso com a perna direita, nesse instante a cadeira tombou deixando-o suspenso pela corda meia velha cujo garrote lhe afunilou o pescoço deixando-o a meio caminho entre o chão e o tecto, num espernear meio cómico que derrubou o leite que se foi entornando do copo cujo bordo assentou no abismo que medeia a berma da mesa e o chão. Ouviu um rasgar e quedou-se no chão meio morto pelo ar que lhe faltou e que agora lhe inundava a garganta profusamente aberta. Deitado de lado no chão, vislumbrou pelos olhos meio abertos a satisfação do gato que satisfizera a sua expectativa, lambendo os beiços meio sujos pelo leite que escorria da mesa.E aquele ping-ping meio ensurdecedor...