Poemas : 

Uma qualquer visão de um qualquer ti

 
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Um pedido pensante trouxe-me aqui.
Estava lá eu onde estava, lá naquela brecha tempoespacial do costume quando fui arrastado para uma praia rochosa. Nada mais vi nessa praia se não a divisão do meu eu em duas partes bem distintas.
Numa delas vi a minha alma voar em forma de águia pelos céus e razar como uma gaivota sobre aquele mar. Vi o mundo num sonho de criança, de um ponto superior, de uma qualquer nave espacial que pairava sobre aquele pequeno paraíso. Vi a vida a nascer numa relação sempre perpetua entre a espuma das ondas e a areia daquele lugar.
Depois, numa segunda divisão, vi o meu corpo controlado por um impulso infantil. Desejei correr praia acima, subir e saltar rochas!, morder os lábios de adrenalina, eriçar os pelos de receio, ser de novo pueril. Quando dei por mim tinha subido todos os penedos da praia, tinha saltado todos os rochedos e estáva ja no topo da arriba. E de lá via-te bem, de lá via bem, eu podia ver-te de lá!


Uma visão clara e modesta. Pouco ambiciosa e por isso tão ampla. Sei somente que a areia estendia-se ao longo da praia de uma forma bastante regular, três penedos erguiam-se cortando o mar que quase fazia a ligação desta lama terrena com o outro azul, Ou não fosse aquela areia toda a terra, e o mar o espelho que no horizonte se tornava o tecto do mundo!
E a minha visão prolongava-se na direcção dos três penedos que se erguiam na areia como quem vinga no nada. Três penedos ovais que se mantinham ali como que marginais, desintegrados aqui da arriba. Mas eles não se viam assim! viam-se mais como que aqueles que se distinguem dos restantes pela sua individualidade e beleza, como uma forma de não se misturarem com aquilo que os repugnava. e assim o era!, não fazia outro sentido, se não assim o ser!, tu aí estares e somente poder-te ver daqui, era uma visão tão bela como que dolorosa, que no fim valia sempre a pena.
No penedo central e vi-te reinar os ventos, vi-te governar os mares e vi-te amares a terra. Vi em ti uma figura tão pouco humana, tão pouco indigna e pecadora que me fez estremecer. Vi-te envolvida naquele vestido acetinado manchado pela cor que encerra todas as outra cores, encerrando assim também todos os pensamentos puros do mundo, toda a beleza na natureza, toda a divindade das coisas divinas deste e doutros mundos num só corpo, como quem quase encerra a perfeição!
Peço-te que me perdoes a infâmia de um quase tão quase insignificante, mas não lhe pude resistir. É um quase que encerra tudo aquilo que tu não podes encerrar. É quase, como que devido a encerrar toda a minha revolta, nada encerra e força nenhuma tem. Mas foi-me irresistível não o colocar, foi-me irresistível a tentativa de chamar a tua atenção para este pormenor tão meu. E foi assim que decidi que esse ser perfeito em cima dos rochedos nunca iria ser perfeito, pois nenhum ser que viva repugnado com o comportamento dos excrementos sociais e se coloque num estagio tão superior que não permita a um desses seres ordinários a aproximação pode vir a ser perfeito. E tu és assim, encerras a perfeição de um espírito divino num corpo igualmente sagrado, que transmite um desejo carnal colorido de escarlate e que deixa um ser tão imperfeito como eu num transe interno. e no entanto mantens-me à distância, e deixa-me aqui caído numa poça de dor e angustia,em que vivo permanentemente.
Mas vivo, e vou vivendo com algum sentido enquanto tu não saíres desses rochedos onde eu te poça ver, e vivo enquanto souber que ainda aí estás, pois enquanto ainda aí estiveres eu poderei ser espírito esperançado, mesmo sabendo que o que desejo e espero é inatingível.

 
Autor
Rui_Valdemar
 
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