A peregrinação das Sandálias do Pescador

Nas vésperas da época pascal é comum vermos aquelas limpezas de roer granito. Tudo é esfregado, as sebes podadas, as casas caiadas, os aspiradores sugam as vísceras das carpetes.
Em todas as casas que receberão o crucifixo transportado em ar ausente por um candidato às próximas listas eleitorais da junta de freguesia, é um nunca acabar de limpezas que chega a desgastar as soleiras de pedra onde o núncio pascal bate os sapatos para sacudir o pó. A segurar o pálio vem um outro candidato de um qualquer organismo que se preste a manigâncias dentro da junta de freguesia ou até da comissão fabriqueira.
Portugal é neste momento uma pequenina casa que se presta a receber a mais alta figura (eu diria, figurão!) do prelo apostólico e romano, Sua Santidade Bento XIV vem a nossa casa e há que o receber condignamente. Ele é cadeirões feitos em Paços de Ferreira da melhor madeira e aveludados para receber o sacro cu, as melhores sedas estão a ser urdidas para lhe fazer o palio que lhe cobrirá o santo dorso, a maior operação de segurança da historia portuguesa está em marcha para lhe proteger a sacro santa aura. Como aquela família pobre que não hesita em fazer sacrifícios temos já pelas estradas portuguesas peregrinos a pé para ir ao encontro de quem se desloca da forma mais cara e segura que encontra.
Da mesma forma que quando o pároco nos adentra a soleira a sacudir os sapatos e nós não lhe perguntamos pelas contas do lar de terceira idade gerido pela paróquia, ou onde é metido o dinheiro das obras intermináveis da igreja que ele pede em todas as missas dominicais, ou ainda se é verdade o boato de que determinado afilhado é afinal seu filho, também não vamos perguntar ao homem que calça as sandálias do pescador (isto é uma figura de estilo porque o individuo calça Prada) se já tomou medidas contra a pedofilia, se já entregou à justiça as centenas de padres suspeitos. O homem que calça as sandálias do pescador é uma das figuras mais sinistras que já habitou os sumptuosos palácios do Vaticano, porém o nosso triste povo apresta-se a cantar-lhe loas. Um homem com um passado altamente duvidoso que enfileirou na juventude Hitleriana. Desde que entronizado tenta devolver a igreja ao obscurantismo medieval tentando fazer ressurgir o latim nas liturgias, tentando proibir a música pagã tocada por instrumentos pagãos como a guitarra e tambores como é costume entre os povos africanos. Tenta roubar aos fiéis uma alegria que vários padres tentaram devolver à fé católica. Como prefeito da congregação para a fé (uma espécie de inquisição moderna) enquanto cardeal moveu autenticas perseguições a padres e teólogos que ousavam ter uma opinião contrária não hesitando em recorrer à excomunhão para os poder afastar definitivamente dos colégios cardinalícios e assim cortar aspirações de rejuvenescimento da igreja.
Quem calça hoje as sandálias do pescador não é digno e seria um dos que seriam expulsos do templo se quisermos acreditar nessa passagem da bíblia. Há no entanto sempre aquela desculpa do católico que diz que tem a sua fé mas que não se importa com quem a comanda. Uma pena que ele não seja recebido pelos católicos como as viúvas chilenas recebiam Pinochet também ele elogiado pelo Vaticano, batendo em testos e panelas evocando as ossadas dos esqueletos descobertos nas valas comuns. Também o homem que calça agora as sandálias do pescador tem muito que responder por tudo o que no último meio século esta igreja fez, para o bem e para o mal, e digo-vos que é muito mais para o mal. Ele está lá na foto de homenagem a Pinochet em pleno vaticano pelos serviços prestados no Chile à divulgação da fé cristã.
Pobres sandálias, não mereciam suportar tal peso…