Poemas : 

Sob epígrafe de Carlos Poças Falcão

 
Em qualquer ponto existe uma cabeça
repuxada para um antro de sinais

Carlos Poças Falcão




1.

na morte do que o gera
o gesto nasce

2.

a poesia é a última ciência
porque desveladora do universo

através do rigor da matemática
e do fluir da música aproxima-se
das sombras dos reflexos dos refluxos
cumprindo o seu destino de cabeça
repuxada para um antro de sinais

3.

assume-se o poeta como o que
recolhe da matéria vestígios
do início do mundo promovendo
a reorganização do caos para o
erguer de um corpo novo pelo método
de uma metamorfose do sensível
e do que é intuível em palavras

4.

o poema é o búzio da tribo

5.

e no entanto o poeta deverá
somente sugerir

nenhuma lei
ou princípio deve revelar

porque todo o poema é rastilho
não explosão

6.

e a cabeça mergulha num relâmpago
de sombras projécteis palavras
meras palavras nascidas
para a ideia do mundo desvelar

7.

para que se decifre a linguagem
eco e máscara das coisas
urge o acordar de alfaias
artefactos antiquíssimos
para a trepanação de cada sílaba

8.

o poema é o pêndulo da tribo

9.

não há poema sem canto
sem anúncio
de primavera

10.

em cada safra por uma sílaba
deve um cometa anunciar
o seu eclodir

como um olhar que acorda
molduras
sobre a cómoda da morte

11.

há uma ecografia da árvore
do seu canto de seiva
saliva que a usura dos tempos
perpetuou sobre as pedras

uma ecografia
que recupere acordes
entre poentes enunciados

12.

o poema é a bússola da tribo

13.

se me confesso não sou poeta
antes aprendiz
que no cadinho desperdiça
o que entre mãos
ciosamente guarda

14.

o náufrago sorri por entre o caos
devora sôfrego os sinais
como frutos cujo hálito fosse
barco remo e via

15.

a cabeça pousada reverbera
criança maravilhada
com a surpresa de uma palavra

16.

o poema é o pássaro da tribo

17.

como espelho a cabeça capta a imagem
aprisiona-a
com os grilhões forjados por palavras

18.

enquanto a morte mata o signo
outra morte se eleva e acorda o signo
que retrato algum pode cativar

19.

das mãos vazias presas à colheita
do nada restará
a luminosa aproximação
às coisas que o poema
só o poema torna possíveis

20.

o poema é o cântico da tribo




Xavier Zarco

 
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Xavier_Zarco
 
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 05/05/2010 07:53  Atualizado: 05/05/2010 07:53
 Re: Sob epígrafe de Carlos Poças Falcão
...e o poema é rastilho e é explosão.
E não só quando poesia e filosofia andam de mãos dadas.

Temas, uma unidade compósita de ideias, para bem reflectir.

O meu aplauso

abraço

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 05/05/2010 08:00  Atualizado: 05/05/2010 08:00
 Re: Sob epígrafe de Carlos Poças Falcão
Caro Xavier ainda penso nalgumas destas meditações que me parecem correctas, na ultima frase do ponto cinco, a explosão fica com o poeta dá-se antes durante o período de gravidez o acender do fosforo para atear o rastilho e depois
do poema escrito explode-nos na mão
Abraço
Albertos