Penso que terá sido de anteontem
A quinze dias
Que acordei às 4 da tarde com a lua
À minha cabeceira
Mascarada de enfermeira
E segurando a página do obituário
De um qualquer jornal diário. Estendeu o
Seu braço de luar e deu-ma
Para que a pudesse ler:
“Poeta desconhecido morre em cirurgia
De rotina. Durante
Uma laparotomia
Uma alcateia de láparos fugiu
De dentro da sua lura no abdómen
De Alexandre Homem
Dual
Levando consigo o coração do escritor
Desconstruído em pequenos pedaços.
No lugar do coração, foi encontrada
Uma lapa funérea com um poema inscrito
Mas ninguém o pôde ler porque o seu autor
Morreu antes sequer de o ter escrito.”
Sorri e devolvi o jornal à lua. Ela serviu-me
Uma chávena de café e perguntou-me
O que dizia o poema. “Amanhã Chovi”, respondi-lhe.
Ela sorriu-me de volta imediatamente antes
De regressar ao céu nocturno. Ainda hoje, nos meus poemas,
Lhe trago o sabor da carne – e do café – na ponta dos dedos.
Alexandre Homem Dual
Uma mão angelical afaga-nos o cabelo e toca-nos o sexo em cada momento de desespero…