O silêncio era opressor, a cor da sala de espera estilizada por pretensos especialistas esbatia-se na indefinição. As cadeiras eram dispostas em fila de frente para um televisor cujo som estava desligado, as imagens eram as do costume, as caras do costume, a publicidade do costume. As paredes ostentavam conselhos médicos relativamente a doenças comuns que ninguém se lembrava que ainda existiam, tinha até um onde um jornalista conhecido posava para a foto com um microfone envolto num preservativo a alertar consciências para a luta contra a sida. Havia um corredor num dos lados da sala que iam dar a uma ala onde não lhe era permitida a entrada, de onde de vez em quando vinham médicos e enfermeiros que lhe despertavam a atenção, ficava estática a olhar para os seus rostos tentando decifrar a mínima impressão, a mínima reacção tentava ler nos lábios o que conversavam uns com os outros em voz sumida e baixa, mas eles passavam indiferentes como se ela não existisse, perpassavam o sentimento dela, a angústia, a dor e a espera.
Sentada, repousou a cabeça entre os braços cruzados em cima dos joelhos afundando a espera na memória do pai no leito de morte, os olhos sumidos e encovados, a mão na sua tremente na pressão de quem não se quer separar até essa pressão se atenuar, se extinguir, parando o olhar definitivamente num ponto fixo que ela não conseguia atingir, o mesmo ponto onde o seu homem o fixou noutra hora de dor que lhe extinguiu a vontade de amar só reavivada pela semente implantada no ventre onde centrou a sua vida esgotando a capacidade de afecto e ternura, numa dependência que não julgava existir até ao momento que se sentou naquela sala de espera em que a sensação de perca atingiu os limites da dor, excruciante na culpa que sentia por todos os homens que amara lhe morrerem nos braços, será que a culpa era dela ou deles? Era vítima ou carrasca?
Os cabelos pendiam-lhe abaixo dos joelhos na posição em que se encontrava, olhou entre eles e vislumbrou uns croques brancos, ergueu de imediato a cabeça com a interrogação no olhar e a dúvida na alma num momento que dura uma vida e ela já ia na sua terceira vida.