- Sobre Trilhos e Trens
Autor: Carlos Henrique Rangel
“O apito soou longo, profundo, transpassando minha alma. Nos vagões de madeira,vértebras do grande réptil, centenas entraram e se mostraram pelas janelas. O último Trem... O derradeiro... Depois dele, nada mais... O apito de novo... Desejei que fosse eterno. Pisquei os olhos úmidos fotografando a cena...”
“Uma telha caiu quando passei. No chão outras tantas se amontoavam a pedaços de janelas, vidros quebrados... As portas não existiam há dois anos e uma fogueira foi alimentada pelas tábuas que ajudei a fechar muitas vezes. Quem diria que apenas há alguns anos esperei Anita no banco perto da bilheteria cercado de gente-que-esperava e gente-que-ia e gente-que-vendia... Agora apenas a solidão de ruínas...”
“Quando pequeno, pulava dormentes... Andava sobre os trilhos quentes equilibrando, equilibrando... Caindo com os pés sobre as pedras azuis esbranquiçadas ... Ás vezes punha o ouvido sobre os trilhos: podia-se ouvir o Trem chegando... Outras vezes era o apito que nos assustava e saiamos dos trilhos para ver passar a Máquina, os vagões... Um, dois, três... Quarenta... Perdia a conta... Não ando mais nos trilhos. Mas até hoje conto os vagões: um, dois, três... Quarenta...”
“Na época da construção da Estrada de ferro havia mata e até onça. O Trem atropelou uma um dia... A malária matou muitos trabalhadores. A gripe outro tanto... Mas a Estrada saiu... Aquela Estação ali tem o nome de comida de onça: um engenheiro distraído...”
“A menina levava comida. Passava de saia rodada da escola local. Passava e agente olhava... Pulava os trilhos ao vento e agente olhava...
- Que comida cheirosa! – Gritava Manuel... O maquinista, pai da menina, não ouvia... Surdo que era..."
SERÁ O FIM?