Não tenho janelas nos olhos…
Tão pouco resta alguma luz nas palavras…
Sóbrio de indiferença
Atamanco a palmilha dos sapatos
E continuo descalço!
Apenas um carreiro de chão argiloso
Serve de poleiro às unhas
Que cravo desesperadamente no lodo.
Não… Não teimo cair…
Quero provar a mim mesmo que estou vivo!
Os ulmeiros desistem de incendiar os passos.
O caos instala-se num bafo de dragão.
O ritual do gelo estala nos copos
Arranca à trivialidade das emoções
Resquícios de sexo imortalizado
Nas estátuas de uma Grécia moderna.
O desejo elabora um casulo numa caixa de cartão.
No cimo de uma amoreira posso namorar os insectos
Com a precisão de uma pétala de luz.
O tapete da sala aquece e deduzo que a esperança
Adormeceu de bêbada no soalho.
Se por um instante o naufrago pensamento do teu corpo
Se instala como tatuagem na saliva
Logo a quântica do infinitesimal pequeno
Vem atordoar-me a certeza de não ser ninguém.
Já sei que vou dormir só!
Bem posso declamar sonetos na Praça do Bocage,
Ou árias de opereta na Avenida Luíza Tody
Que a cegarrega dos pombos poisados no meu ombro
Estabelece os parâmetros da mesma retórica.
Passei pela Figueirinha e sentei-me naquele bocado de areia
Onde fizemos amor pela última vez
Como se a lua nunca mais nos viesse iluminar.
Trouxe uma mão cheia dela na algibeira do vento.
Sabia que não me traria lembranças tuas
Mas aproveitei o peso das rochas moídas como punição
Pela estupidez de acreditar que o amor é volátil
E de que um corpo físico é algo palpável.
Sonho contigo… Logo não estás.
Coloquei-a depois na ampulheta do esquecimento
Para que o tempo passasse sem mim.
Ao seguir o tempo levaria comigo as recordações.
Ficando… Lembrar-me-ia do que quisesse!
Depois saí à rua vestido de esplendor
Como se acreditasse que o sol morava na pele.
Não me lembro se alguém riu à minha passagem…
Ainda antes de olhar para trás
Vi a locomotiva do futuro olhar para o relógio
Partir apressada sem me cumprimentar.
Para onde iria se o futuro é desconhecido?
Qual a pressa? Qual o tempo?
Ainda bem que me vou ficando pelo presente
Onde posso estabelecer a velocidade do segundo
Segundo a minha necessidade de tempo…!
Descobri numa lápide que algures o passado me enforcou.
Estava lá o meu nome. A foto desaparecera… mas era eu!
“Cometeu o crime de amar quando o amor
É propriedade das divindades!”
Percebi porque morri. Mas isso foi no passado…
Procurei a tua campa entre as que se encontravam perdidas
No exímio espaço destinado aos condenados
E não a encontrei…
Deduzi que nunca amaste como os deuses…
Talvez por isso sejas mais um sobrevivente.
Fiquei com ciúmes da tua paixão…
Afinal também poderia ter conquistado a eternidade
Fazer dela uma efeméride diária de gargalhadas
Passar hoje pelo mundo como um herói.
Não tem importância…Limito-me a passar pelo presente
Solidário com a perenidade de um sentimento proibido.
Talvez por isso caminhe só!
antóniocasado