- com o moreno -
. façam de conta que eu não estive cá .
era uma vez uma árvore que descobriu que à noite lhe cresciam mais os ramos. era uma árvore grande, com raízes que subiam pelo tronco, davam a volta aos ramos e desciam-lhe de novo. tinha buracos, do tamanho do meu dedo polegar, ao longo dos ramos. neles viviam todo o tipo de bichos, desde pássaros a insectos, nalguns nasciam novas espécies de bichos, novos. a árvore era um jardim zoológico em miniatura. todas as noites era ver chegar excursões de turistas que ficavam boquiabertos com semelhante fenómeno da natureza. equipados com câmaras fotográficas de última geração disparavam flashes na tentativa de captar aquelas criaturas únicas da natureza, mas era em vão o esforço, pois eram invisíveis à objectiva. houve quem tentasse subi-la, muitos escorregavam, peritos descobriram-lhe uma substância estranha no tronco, apenas produzida à noite. à árvore doía-lhe todo aquele aparato, das raízes à pouca folhagem, um arrepio a cada flash. muitas vezes fechava os olhos e imaginava-se noutro lugar, em paz. mesmo os bichos lentamente a foram desocupando, migrando para outros troncos. a árvore ficou só. quando anoitecia, no lugar onde outrora os ramos cresciam, nasciam agora veias a jorrar sangue púrpura sem parar. a árvore sentia-se morrer a cada dia, já nem os turistas apareciam aos magotes. apenas um ou outro cientista ali chegava na tentativa de decifrar o porquê desta sequência de acontecimentos macabros. algumas plantas, dessas que costumavam crescer-lhe junto à raiz, morreram afogadas em sangue, outras fugiram para outras raízes, outros lugares. até o vento ali não passava, nem nuvens de atreviam a chover-lhe, nenhum mosquito se ouvia, nem viva alma. a árvore, outrora bela, era agora como uma carcaça, um resto de corpo abandonado aos abutres. houve uma noite em que ao largo da árvore passou uma menina a cantarolar uma melodia de encantar. assustados, os abutres correram a esconder-se, envergonhados da sua condição. as raízes da árvore acordaram do entorpecimento a que se tinham votado, recomeçando a bombear a seiva aos ramos quase mortos. a menina encostou-se junto à árvore e logo o seu corpo se transformou em raiz, dos seus cabelos bonitas flores nasceram, coloridas, pedaços de sol saíam agora debaixo da árvore e o bosque todo tinha acordado da morte. todos os animais encontravam um cantinho, dentro do oco tronco, onde fazerem ninhos.