O vapor da cidade sobe na incandescência, calor absurdo, fétido que invade as entranhas e corrói a silente devoção dos passos espalhados pelas calçadas empoeiradas. Hienas do asfalto a vagarem sem rumo e a urrarem sua fome nas vielas da angústia. Insatisfação, molduras de desejos descartáveis nos outdoors a anunciarem glória e dor. Toda dor é celebrada nos bares e biroscas dentro de copos de almas, que tragadas entorpecem o corpo dolorido. Sonhos se desfazem com o som ensurdecedor da engrenagem sacrílega urbana que atormenta a paz.
Paz! Santíssima paz, tende piedade de nós!
Paz! Santíssima paz, tende piedade de nós!
PAZ! SANTÍSSIMA PAZ,
LIVRAI-NOS DESSE MALDITO INFERNO!
O inferno cresce e sobe morros estampando concreto e mocambos de sofreguidão. O verde acinzentado sopra o vento da tristeza. Um seio murcho alimenta o futuro com o colostro da desilusão. Insanidade corrói: fuga para o mundo paralelo escondido dentro de uma revista de moda: Nudez! Uma criança chora! Tapa na cara do vapor! Estampidos, bombas e gritos de medo horror. A seleção perdeu. Sobe o gás. Caiu um corpo no chão. Não, aqui não é o Iraque! Não, aqui não é a Palestina! Aqui é quase guerra civil! Aqui se desfaz o que o passado desistiu. Corpos se degladiam em espaços mínimos diante das vitrines: vende-se isso, vende-se aquilo e come-se em pratos vazios. Já não sei rezar. Já não meço a minha dor. Não quero bálsamo, quero vodka! Já não vejo flores, não há rosas no jardim! Sinto apenas o mórbido perfume que me lembra o ritual de um velório...da minha morte?
Meu corpo morto,
ah o meu corpo...será enfim
velado por uma silenciosa sala vazia...
Santíssima paz rogai por nós!