LUZ QUE TARDA
Todos esperamos o sol nascer
Com os olhos abertos à beleza da manhã!
Risco no céu um pouco de paz.
Traço um limite de nuvens
No esplendor das estrelas.
Em todos os olhares encontro
Uma estrada de luz
Que vai além dos sonhos
Além dos desejos
Transparece em cada raio
Como um farol aceso
No nevoeiro dos sentimentos.
Um espelho transparente
Marca o biorritmo de uma existência
Emoldurada no fascínio de uma promessa
Lançada ao mar numa gôndola.
Todo o nada é ilusão!
A luz inscreve no Karma
A absoluta fusão
Duma lua aspirante
Numa noite de ânimos e guitarras.
Como observador do espaço de nós
Recrio os sonhos numa tela vazia
Enquanto uma ópera resvala pelo ouvido.
O fascínio mora aqui!
Consigo interiorizar no espelho côncavo de mim
O cântico de um anjo sem asas
O toque do clarim
O pânico dos pássaros
A alienação dos peixes
Num vendaval de cetim!
A natureza arredonda arestas e enfeita-se
Para a festa fundamental da vida.
Nós somos úteis!
Sibila a natureza aos céus
Um aflito gemido de perpetuidade…
“Por cada árvore arrancada pela raiz
A necessidade de sobrevivência dos homens suados
Impõe-se às cidades amordaçadas
Por altas chaminés de toxinas e desencantos
A par com a vontade absoluta de liberdade!
Os mais velhos contam histórias de imensos pomares
Quando abriam uma laranja e o destino
Jorrava num fio enorme de saúde e boas palavras…
Ouvem-nos as crianças e sonham… sonham… sonham…
Porque o sonho é tudo o que resta!
Nas amuradas traça-se o futuro a uma voz
Arrancada impunemente ao sossego das vagas.
Acordam nos dedos vontades de construção!
Os navios já não são corcéis!
Os motores já não são remos e velas!
Agora inventam o tempo
E a velocidade que o ultrapassa!
Exige-se um mundo
Criado à semelhança de cada sonho!
Inventa-se o sol! Inventa-se a lua!
Estendem-se as horas numa toalha de passos…
A ambição de serem máquinas pensantes
Resolve a insanidade do delírio de não o serem!
Aquém do cais, aquém do silêncio
Aquém de todos os mistérios possíveis
Uma espada de enxofre serve de Aladino
Às cabeças que fazem do paraíso uma estufa!”
Aquém da vida… Eu!
Quando escuto o aflitivo grito da natureza
Resvalo pelo passado liberto dos anzóis
Que algemam a humanidade ao progresso…
Ainda consigo sonhar com rouxinóis…
Ao meu redor as crianças dão as mãos
Cantam canções alegres e serenas
Recriam a alegria de serem crianças…
Tudo podia ser tão belo…!
Uma chuva de máquinas e mecanismos
Atropela o éter com urgência
Impõe fundamentos requisitos e loucuras
Inventa necessidades
Cria ilusões
E todos correm atrás do vício absoluto!
Imaginam um futuro sofisticado
Cuja actividade consistirá no clicar de um botão
Para que a futilidade adormeça diante dos olhos…
Recuso o futuro
Na minha rebelião de velhos escolhos!
Poeta das sombras
Sou a miragem da poesia e as suas asas
O fascínio de um encantamento maior que eu!
Continuarei pela vida eremita
A clamar pelo sonâmbulo sonho
De um mundo diferente
Onde a dignidade de cada pétala de flor
Se represente no cosmos
Com a graciosidade de o ser!
Este projecto é mais que um delito
Na disforme sociedade que o recusa
Porque a moda não pode parar…
No desespero do verde quero ver
O vosso pulmão pedindo auxílio!
Que as labaredas infernais do consumo
Se incrustem à frivolidade do vosso ter!
Quero o canto do mar nos meus ouvidos!
Quero o vento sul nos meus nervos!
Quero o verde a encantar os meus passos!
Imergido na floresta das minhas células
Quero ser o naco de pão do oxigénio que existe!
O trago de água que ainda passeia
Num leito de pedras plástico e lama!
Quero que os animais encontrem refúgio
Nas sebes que se elevam da terra castanha!
Que mamíferos, insectos, aves, répteis
Ocupem o espaço que lhes foi delimitado
Pelas mais simples e puras leis naturais!
As mesmas que nos protegiam quando éramos animais
À mercê do calor e do frio…
Quero um futuro construído na pressa dos rochedos!
Não aceito condições nas florestas!
Que as papoilas acolchoem de aromas o alcatrão!
Que a humanidade renasça do cansaço
De tantas ilusões talhadas à medida do dinheiro!
Não seremos os senhores de um mundo vazio!
Que expressão terá o futuro na aridez?!
Se alguma réstia de dúvida assombrar
De dores, martírios e ganâncias
O conformismo desleal do vosso habitat
Procurai no âmago de vós a perfeição
Onde a balança da justiça e da razão
Penda num equilíbrio são e real
Onde seja possível conter-se o mal
Onde seja possível ser-se humano!
1 Abril 2010
antóniocasado