. façam de conta que eu não estive cá .
se aqui voltando te encontrasse como encontro o caminho, a árvore à beira deste, o poço ao fundo, o alambique velho, a eira, o quintal, ao lado o celeiro, no limiar da paisagem o pomar, o rio a cruzá-lo, o moinho, em frente o estendal e finalmente a casa de uma assoalhada. se atrás desta imagem te visse, de lenço à cabeça, xaile nos ombros e cesta no braço, a descer a colina, devagar. se os teus olhos se voltassem a encher de verde-musgo, se as pernas te voltassem fortes e corressem ao meu encontro. recordo a tua face pousada sobre a almofada em fim de vida. se antes te erguesses e fugisses do medo que me apanhou avó, se antes fugisses em direcção ao sol e daí caiasses de novo as paredes agora cheias de humidade. a casa está, exactamente onde a deixei, entre a memória do teu riso e a do teu corpo morto. ainda ouço os teus passos, levados pelo vento, leves, descalços. ainda aqui anda o cheiro a rosmaninho ou a hortelã. ainda te ouço assobiar canções minhotas. ainda aqui moras. tenho a certeza que adormecendo me virias cobrir o corpo com a manta de lã e ficarias a velar-me o sono, como fazias sempre que ficava febril.