Todos os dias sai do carro disparado, indiferente aos apelos da mãe. Todos os dias deixa de a ouvir, muito antes do portão da escola, detalhando as novidades e os amigos. Hoje, no meio da correria, deixa os olhos voltarem-se, lendo a alegria e a ternura que sente também nos seus. É o estranho e repentino carregar de semblante da sua mãe, a primeira pista. Uma expressão quase igual, está, também, estampada na cara do excitado condutor. O frémito toma conta dele, e o pontapé no travão parece-lhe inconsequente. O único grito é o dos pneus, a deslizar no alcatrão. Só aí, no meio da passadeira, o rapaz se apercebe que a vítima é ele. Sem qualquer indecisão, Carla salta para o meio da rua. O impulso é resoluto e sem avaliação do risco, sem temer o dilema do salvador perante o afogado iminente, ambos afundados pelo desespero. Ela sabe que está certo tentar, e isso basta-lhe.
Boa semana!
Garrido Carvalho
Março '10